O fascínio pelo Oriente atravessa séculos e, no cinema, persiste como um enigma em busca de decifração. “Nas Muralhas da Fortaleza” (2017) avança por um território onde os eventos históricos se desdobram com uma complexidade que desafia interpretações simplistas. A trama não apenas resgata um momento crucial dos embates entre civilizações, mas expõe as barreiras que distanciam a mentalidade ocidental da cosmovisão de povos moldados por tradições seculares e por um entendimento distinto sobre honra e resistência.
Os grandes épicos frequentemente assumem uma dimensão quase onírica, e o filme de Hwang Dong-Hyuk segue essa tradição ao abordar o cerco de 1636, quando a Coreia viu-se ameaçada pela invasão chinesa. Embora o confronto militar seja um elemento fundamental, o que realmente se impõe é a reflexão sobre os impactos da submissão estrangeira. A Coreia, cuja identidade sempre esteve vinculada à defesa obstinada de sua soberania, enfrenta um dilema que transcende o campo de batalha. Dong-Hyuk examina com precisão os fatores que permitiram a consolidação da dinastia Qing, última casa imperial da China, sustentada pelo domínio manchu.
Essa dinastia, que governou entre 1644 e 1912, levou anos para firmar sua autoridade, utilizando estratégias astutas que envolveram não apenas força bruta, mas também alianças calculadas. Entre essas manobras estava a imposição de vassalagem ao rei Injo, interpretado por Park Hae-Il, governante da dinastia Joseon. Contrário à rendição, Injo opta pelo refúgio na fortaleza Namhan, isolado pelo rigor do inverno e cercado pelo exército invasor. O drama atinge seu ápice nos bastidores da política, onde seus ministros divergem: Choi Myung-Gil (Lee Byung-Hun) sugere uma saída diplomática, ainda que humilhante, enquanto Kim Sang-Heon (Kim Yun-Seok) insiste na resistência irrestrita, mesmo diante de um cenário desesperador.
Inspirado no romance “Namhansanseong”, de Kim Hoon, inédito em português, o roteiro de Hwang estrutura sua narrativa a partir de episódios pouco familiares ao público geral, mas enfatiza a ambiguidade moral de seus personagens. Choi se revela um estrategista pragmático, ao passo que Kim encarna o idealismo intransigente de quem enxerga na luta o único caminho digno. O desfecho reforça a dureza das escolhas políticas, demonstrando que nem mesmo um monarca escapa às armadilhas do poder, sobretudo em um mundo onde os códigos de civilização eram muito distintos dos atuais.
As críticas ao filme apontam um viés revisionista e um peso excessivo ao debate político, em detrimento de sequências de combate mais elaboradas. Contudo, a proposta de Dong-Hyuk transcende o espetáculo visual. Conhecido mundialmente após o sucesso da série “Round 6”, o diretor oferece aqui um estudo minucioso sobre os dilemas do poder e da lealdade. Com locações autênticas que amplificam a imersão, figurinos que reconstituem com precisão a época, atuações sólidas e uma trilha sonora assinada pelo renomado Ryuichi Sakamoto, que também contribuiu para “The Revenant” (2016), o filme se equilibra entre entretenimento e reflexão. Sua robustez conceitual não ofusca sua capacidade de envolver o espectador, tornando-o uma obra que desafia rótulos simplistas.
★★★★★★★★★★