E se um vírus dizimasse os brancos? A chocante distopia do Prime Video responde Divulgação / FilmHub

E se um vírus dizimasse os brancos? A chocante distopia do Prime Video responde

Todos deveriam ter assegurada a chance de tratamento justo e ascensão social mediante sua capacidade e esforço, um dos preceitos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, originalmente publicada em 1948 e filha da Revolução Francesa, cujo fulgor se espalhou pelo mundo entre 1789 e 1799. No documentário “A 13ª Emenda” (2016), Ava DuVernay ajuda o público leigo a entender e familiarizar-se com detalhes do ordenamento jurídico americano, intencionalmente falho e propenso a atormentar e incriminar cidadãos pretos, segundo a diretora. A ideia de que alguém cuja aparência de branco possa ser, na verdade, classificado como negro é um tanto confusa no Brasil, o que se explica por seu passado escravagista, que sacramentou o negro como um indivíduo de segunda classe, mas não só por esse motivo.

Nos Estados Unidos, a abordagem do tema sob o ponto de vista genético — ou seja, ter uma gota de sangue negro correndo nas veias determina a negritude de um indivíduo — acabou estimulando a luta de cidadãos não brancos por seus direitos, a começar pelo direito de ser… negro. De um jeito bastante idiossincrásico, Justin L. Rhodes abraça a polêmica em “King of Dallas”, uma distopia sobre uma moléstia que arrasa 99,999% da população mundial, dispensando somente aqueles que guardam sob a pele certo teor de melanina. Desdobrando o argumento, Rhodes chega a uma história em que pretos retintos batem-se contra negros de tez pálida, ratificando o alerta de Schopenhauer a respeito da fundamental inépcia humana para a felicidade.

Em 2022, quando começaram as filmagens, pouco depois da pandemia de covid-19, o planeta é novamente fustigado por um vírus, desta vez um nefasto microrganismo que pulveriza todos os brancos e boa parte dos miscigenados, deixando vivo apenas o 0,001% que conserva DNA africano sem mácula. Como se vai perceber, Rhodes não prima pelo rigor científico e (mesmo pela lógica), e restam três subgrupos étnicos oriundos da ancestralidade negra: os vantas, os mais escuros e, por essa razão, mais melanizados; os puros, visivelmente misturados; e os bronzes, que não sabem o que são. Um salto cronológico leva a narrativa para 2097, e Dallas, no norte do Texas, é o paraíso decadente pelo qual essa nova e compacta humanidade luta, ignorando a arcaissíssima matriz comum.

Octavious, o guerreiro-imperador que comanda as fileiras dos vantas interpretado pelo próprio Rhodes, sente o cheiro de carne queimada e parte para cima de Crawford, o líder dos puros vivido por Lynn Andrews III, representante de uma minoria que 75 anos antes era mais aceita precisamente por ser tida por quase branca. Em várias cenas, “King of Dallas” lembrou-me o trash assumido do diretor Afonso Brazza (1955-2003), piauiense radicado no Distrito Federal, com a diferença de que Brazza sabia-se limitado tecnicamente. Rhodes parte de uma boa premissa, a do colorismo, ainda pouco comentado, mas a execução pouco cuidadosa lança o filme ao despenhadeiro da comédia involuntária, quando o assunto poderia ter rendido ao menos um outro novo (e sempre bem-vindo) debate.

Filme: King of Dallas
Diretor: Justin L. Rhodes
Ano: 2024
Gênero: Drama
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.