A transição para a vida adulta é uma das experiências mais universais e, ao mesmo tempo, mais singulares que alguém pode atravessar. A adolescência carrega a marca de um período caótico, onde as escolhas são feitas mais pela falta de maturidade do que por qualquer convicção real. Conflitos internos e externos se acumulam: desentendimentos com pais, amigos e com o próprio mundo tornam-se inevitáveis. Nesse turbilhão, a forma como cada um lida com suas incertezas e frustrações define caminhos que podem ser tão distintos quanto imprevisíveis.
A juventude, como bem pontuaram Nelson Rodrigues e Pablo Picasso em reflexões distintas, pode ser um presente envenenado. Daniel Morzón explora esse dilema em “As Leis da Fronteira” (2020), filme baseado no romance homônimo de Javier Cercas, lançado em 2012. A história gira em torno de Ignácio Cañas, ou Nacho, um jovem de 17 anos que se sente deslocado no próprio ambiente. Sem encontrar um espaço em que se encaixe, acaba se tornando presa fácil para uma dinâmica onde sua passividade é constantemente explorada. Essa condição muda quando, nos arredores de um fliperama no final da década de 1970, ele cruza o caminho de Zarco e Tere, figuras que redefinem sua trajetória de maneira irreversível.
Marcos Ruiz, Chechu Salgado e Begoña Vargas formam o núcleo central da narrativa, com destaque para Ruiz, que incorpora a complexidade de Nacho com precisão. O instante em que o protagonista decide romper com sua rotina de submissão é um dos momentos cruciais da trama. A escolha de se unir à gangue liderada por Zarco, da qual Tere também faz parte, transforma sua existência em um turbilhão de novas experiências. Crimes, excessos e uma descoberta abrupta da sexualidade fazem parte desse novo mundo, no qual a relação entre os três personagens assume um tom que transita entre o afeto e a tensão constante.
A produção se insere no subgênero quinqui, um dos marcos do cinema espanhol entre as décadas de 1970 e 1980, centrado na delinquência juvenil e nos desafios da marginalidade. O roteiro de Jorge Guerricaechevarría, nome por trás de “O Bar” (2017), de Álex de la Iglesia, mantém a coesão narrativa sem ceder a experimentações desnecessárias. Cada personagem, mesmo os secundários, recebe uma construção que contribui para o retrato de uma sociedade à beira da mudança. O filme se passa em um período de transição na Espanha, logo após a ditadura de Francisco Franco, onde a repressão policial ainda fazia uso da tortura como método de coerção, elemento presente em passagens impactantes da trama.
O desfecho, que acontece cerca de um ano após a prisão de Zarco, escancara a dura realidade que a juventude costuma mascarar com sua aura de liberdade e descoberta. A sequência final, no entanto, expõe que nem todos têm o privilégio de um futuro promissor, especialmente quando crescem à margem de uma estrutura que não lhes oferece resguardo. É nesse ponto que “As Leis da Fronteira” se distingue: ao mostrar que, para muitos, a transição para a vida adulta não é um rito de passagem, mas sim um labirinto sem saída.
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