Jeremy Saulnier reafirma sua assinatura autoral com um filme que não apenas instiga, mas também desconcerta. Longe da suavidade, ele investe em uma abordagem crua, transformando uma premissa aparentemente direta em algo denso e imprevisível. No centro da narrativa está Terry Richmond, vivido com intensidade por Aaron Pierre, um ex-fuzileiro naval que, após sofrer uma abordagem policial brutal e injustificada, se vê arrastado para uma espiral de violência ao tentar recuperar o dinheiro confiscado e restaurar sua reputação. O roteiro explora um protagonista que alterna entre a calma meticulosa e a fúria latente, revelando um homem moldado pela disciplina, mas prestes a explodir sob o peso da injustiça.
Sem se prender a fórmulas convencionais, “Rebel Ridge” subverte expectativas ao abordar a brutalidade policial e o racismo estrutural sem recorrer a discursos expositivos. A narrativa se apoia nas ações e nos silêncios, permitindo que a crítica social emerja organicamente. Comparações com “A 13ª Emenda”, de Ava DuVernay, são inevitáveis, pois ambos os projetos refletem as falhas do sistema judiciário norte-americano, mas enquanto o documentário se debruça sobre argumentos didáticos, Saulnier aposta em um thriller de tensão crescente, onde as injustiças se revelam por meio da experiência do protagonista. Quando Terry se vê obrigado a enfrentar o xerife local, vivido por Don Johnson, o embate ganha contornos ainda mais intensos, conduzindo a história a um desfecho imprevisível.
O peso dramático da trama se sustenta na atuação de Aaron Pierre, que imprime uma complexidade fascinante ao personagem. Sua interação com Summer McBride, jovem estagiária idealista interpretada por AnnaSophia Robb, adiciona um contraponto humanizador, sem recorrer a dinâmicas previsíveis de romance. A relação entre os dois se desenrola com naturalidade, reforçando a tensão emocional da trama. A cada nova reviravolta, a presença de Summer amplia as nuances da narrativa, funcionando como um elo entre a esperança e o desespero crescente que conduz Terry ao limite.
Saulnier, mais uma vez, exibe um domínio notável da narrativa, conduzindo o espectador por uma trajetória repleta de choques e dilemas morais. A brutalidade exibida não é gratuita, mas sim uma ferramenta para questionar o que significa manter a paz quando se é constantemente alvo da violência. O filme não oferece respostas fáceis, e seu desfecho reflete justamente essa complexidade: quando um homem é levado ao extremo, suas escolhas deixam de seguir uma lógica previsível. A experiência não se resume a um jogo de ação e vingança, mas a um exame inquietante sobre os limites da paciência e da resistência.
No fim, o longa reafirma a evolução de Saulnier como cineasta, equilibrando cenas de impacto com um subtexto afiado. A tensão se mantém firme do início ao fim, sem concessões ao conforto do espectador. Em meio a perseguições, embates e silêncios carregados de significado, o filme desafia as convenções narrativas e propõe uma jornada visceral, que se recusa a seguir caminhos esperados. Com isso, Saulnier entrega uma obra que não apenas prende a atenção, mas também instiga uma reflexão duradoura sobre poder, violência e justiça.
★★★★★★★★★★