Se o existencialismo desfibrado de Sartre e Beauvoir estivesse correto e o contexto tivesse primazia sobre a essência, Pete Garrison poderia ser o modelo ideal dessa tese. O protagonista de “Sentinela”, vivido por Michael Douglas, se apega a suas incertezas com a determinação de um faminto protegendo seu único prato de comida numa noite gelada. Essa relutância em ceder ao oportunismo é justamente o que o conduz a um turbilhão de perseguições e tiros ao longo de 108 minutos, consequência direta de seu compromisso inabalável com o dever.
Acumulando vasta experiência tanto diante das câmeras quanto na direção, Clark Johnson demonstra atenção meticulosa ao ritmo frenético da trama, criando uma narrativa pautada no inesperado e na adrenalina. Seus créditos em produções como “Homicídio” (1993-1999), “Lei e Ordem” (1990-2024), “West Wing: Nos Bastidores do Poder” (1999-2006) e “The Shield — Acima da Lei” (2002-2008) conferem um traquejo evidente na condução desse thriller. O roteiro de George Nolfi adapta a obra de Gerald Petievich, ex-agente do Serviço Secreto dos Estados Unidos, enfatizando os impasses surreais que cercam o anti-herói interpretado por Douglas, cuja marca registrada reside na habilidade de equilibrar charme e uma brutalidade latente.
Assim como seu criador literário, Garrison é um agente do Serviço Secreto americano, mantido na ativa tanto por suas habilidades quanto pela aura de lenda que o envolve. Em 1981, ao interpor seu próprio corpo entre um atirador e Ronald Reagan (1911-2004), garantiu a própria perpetuação na história da corporação. Desde então, coleciona embates contra lunáticos, pagando um preço que nunca admite, mas que se reflete tanto na sua saúde quanto na sua vida pessoal. Johnson aprofunda essa camada do personagem a partir da relação dele com Sarah Ballentine, a primeira-dama interpretada por Kim Basinger, com quem mantém um caso secreto — algo que, longe de ser um choque, parece uma extensão natural de sua personalidade.
Ao contrário do magnetismo destrutivo de “Atração Fatal” (1987), onde Douglas compunha um homem consumido pela culpa e pelo desejo, aqui sua atuação conduz Garrison por uma trilha de ambiguidade fascinante. O personagem alterna entre a autossuficiência cínica e a vulnerabilidade de quem se vê encurralado, despertando no espectador uma oscilação constante entre empatia e suspeita. Não por acaso, ele se torna o principal suspeito do assassinato de um colega espião, executado brutalmente após identificar um infiltrado nos corredores da agência.
A partir desse ponto, o jogo se inverte e Garrison é rebaixado de protetor a inimigo da nação, perseguido por David Breckinridge, paradigma do funcionário incorruptível que, além da devoção ao ofício, nutre um rancor pessoal contra o antigo amigo. A interação entre Douglas e Kiefer Sutherland torna-se a espinha dorsal do filme, explorando a tensão entre hierarquia, lealdades fragmentadas e questões mal resolvidas que ultrapassam os limites institucionais.
Jill Marin, novata sob a tutela de Breckinridge e interpretada por Eva Longoria, funciona como um ponto de alívio em meio ao embate, suavizando a rigidez do antagonista sem, no entanto, possuir impacto real na trama. No desfecho, Johnson sustenta a ambivalência entre arquétipos antagônicos, reforçando a ironia de que, na dança entre o certo e o errado, o verdadeiro vilão muitas vezes veste a máscara do justo. E a justiça, quando absoluta, dificilmente encontra espaço entre os homens.
★★★★★★★★★★