“Uma Ideia de Você” se apropria de um universo familiar, mas o reinterpreta com uma visão moderna, refletindo sobre as nuances da fama, das relações humanas e das normas sociais invisíveis que definem o desejo. Sob a direção de Michael Showalter e com o roteiro assinado por ele e Jennifer Westfeldt, o filme, inspirado no romance de Robinne Lee, mergulha na reflexão sobre a exposição midiática e os dilemas morais da sociedade, enquanto explora a natureza do desejo que desafia as expectativas estabelecidas.
Anne Hathaway dá vida a Solène Marchand, uma galerista de Los Angeles, que aos 40 anos busca encontrar o equilíbrio entre o sucesso profissional, a maternidade e as feridas deixadas por um casamento desfeito. Sua interpretação oferece uma profundidade rara a uma personagem que, sob a mão de outra atriz, poderia facilmente ceder a clichês. Daniel, o ex-marido, leva uma vida mais superficial, valorizando o dinheiro acima da conexão emocional com a filha Izzy, uma adolescente que anseia por uma atenção que não recebe. Em meio a essa dinâmica, Solène se vê envolvida por um evento inusitado no festival de Coachella, onde sua vida tomará um rumo inesperado.
No festival saturado de excessos e excentricidades, um erro cômico leva Solène a invadir o trailer de Hayes Campbell (Nicholas Galitzine), integrante da popular boy band August Moon, acreditando ser um banheiro. Hayes, que cresceu sob o olhar implacável da fama, se vê intrigado pela figura de Solène, que o vê como uma pessoa e não como um ícone da cultura pop. A partir desse encontro acidental, nasce uma conexão que cresce rapidamente, desafiando as convenções e expectativas de ambos.
O roteiro leva adiante a premissa de um relacionamento improvável entre duas pessoas com grandes disparidades de idade e status social. Hayes, encantado pela autenticidade de Solène, se vê atraído por sua sinceridade, enquanto Solène hesita entre seu desejo e as implicações desse envolvimento inesperado. Embora o enredo exija um certo grau de suspensão de descrença — especialmente ao se imaginar um astro pop circulando pela Europa sem ser reconhecido —, a química entre Hathaway e Galitzine mantém o interesse do público, transformando momentos improváveis em cenas de pura carga emocional.
Um dos pontos altos do filme é como ele aborda questões universais, como os julgamentos sociais que recaem sobre as mulheres em relações não convencionais. Enquanto Hayes desfruta de reconhecimento e apoio, Solène é vista com críticas severas. O impacto dessa diferença se intensifica quando Izzy descobre o romance da mãe: o desconforto da filha não está na diferença de idade, mas na exclusão emocional que sente. Quando o relacionamento se torna público, Izzy se vê envolta em um ambiente escolar hostil, um reflexo do julgamento social que sua mãe enfrenta.
Os roteiristas equilibram com habilidade os clichês típicos de filmes românticos com uma crítica social assertiva. Em diálogos bem escritos, Hathaway explora a solidão de uma mulher que tenta recomeçar aos 40 anos e as formas como o machismo influencia as narrativas que circulam na sociedade. Momentos tocantes, como as interações com Izzy — especialmente uma cena em que elas cantam juntas músicas de St. Vincent — adicionam uma camada de humanidade ao enredo, reforçando a conexão entre mãe e filha, mesmo em tempos de turbulência emocional.
Ainda que o filme trate superficialmente os traumas de Hayes, que cresceu sob os holofotes, a performance de Galitzine compensa a falta de profundidade, com uma atuação que transita com maestria entre a vulnerabilidade e a autoconfiança. Mesmo que seu personagem não seja plenamente explorado, a entrega de Galitzine torna Hayes um elemento encantador e convincente da narrativa.
O filme evita cair na armadilha das comparações fáceis com romances previsíveis, se distanciando de estereótipos ao se tornar uma reflexão sobre o empoderamento feminino e os preconceitos enfrentados por mulheres maduras em busca de uma vida sexual plena. Ele não se limita a ser apenas uma comédia romântica; é uma análise crítica sobre como mulheres são julgadas de maneira diferente dos homens, especialmente quando desafiam as normas estabelecidas.
A resolução temporal do filme, em que Hayes tem 29 anos e Solène 45, suaviza a diferença de idade, mas provoca uma reflexão interessante: por que esperar tanto para retomar algo que já parecia significativo? Essa dúvida paira ao longo do desfecho, criando uma sensação de melancolia e ao mesmo tempo esperança. O longa nos lembra que, quando o amor é verdadeiro, ele tem o poder de transcender as convenções e os julgamentos externos, embora exija coragem para enfrentá-los.
“Uma Ideia de Você” se revela como uma comédia romântica inovadora, misturando crítica social com diálogos cativantes e imagens visualmente impressionantes, complementadas por uma trilha sonora que acerta o tom de cada cena. Mesmo quando o roteiro peca em algumas tentativas de realismo, a atuação dos protagonistas e os temas tratados mantêm a experiência envolvente. Em meio a flashes de câmeras e críticas online, o filme oferece uma mensagem poderosa: o amor pode desafiar as normas, e, sob os holofotes da sociedade, ele continua a ser um ato revolucionário.
★★★★★★★★★★