Em muitos lugares do mundo, a identidade por trás de marcas icônicas permanece oculta para o grande público. No entanto, quando a sétima arte se propõe a contar essas histórias, o interesse se intensifica. Esse é o caso de “Ferrari”, filme dirigido por Michael Mann, que mergulha na trajetória de Enzo Ferrari, figura visionária responsável por transformar seu sobrenome em sinônimo de excelência automobilística. A obra examina não apenas sua ascensão nos circuitos de corrida, mas também os desafios que marcaram sua vida pessoal e empresarial.
Natural de Módena, Itália, Enzo Ferrari nasceu no final do século 19 com aspirações artísticas, especialmente na música, até que o automobilismo cruzou seu caminho e redefiniu seu destino. Após servir como mecânico durante a Primeira Guerra Mundial, ingressou na Alfa Romeo como piloto, experiência que o preparou para fundar, em 1925, a Scuderia Ferrari. Com talento nato para a engenharia e a gestão de equipes, levou sua escuderia a conquistar dois campeonatos mundiais em 1952 e 1953, consolidando-se como um estrategista implacável. Seu sucesso no setor o tornou um homem rico, mas sua vida pessoal foi marcada por turbulências.
A narrativa do longa se concentra em um período crucial da vida de Enzo (interpretado por Adam Driver), quando ele já ostentava cabelos brancos e lidava com a perda devastadora de seu filho primogênito, Alfredino, que faleceu aos 24 anos vítima de uma distrofia muscular progressiva. Embora sua lealdade conjugal tenha sido contestável, Enzo manteve uma relação duradoura com Lina Lardi (Shailene Woodley), que lhe deu um segundo filho, Piero (Giuseppe Festinese), herdeiro da Ferrari. Sua esposa, Laura (Penélope Cruz), representava outro pilar de sua vida, ainda que seu casamento tenha sido permeado por infidelidades e ressentimentos.
Além de abordar os dramas íntimos do magnata, o filme expõe a crise financeira e ética que assolou a Ferrari. Apesar do prestígio da marca, os investimentos exorbitantes superavam os lucros, colocando a empresa em uma situação delicada. Paralelamente, um evento trágico abalou ainda mais sua trajetória: o acidente fatal durante a Mille Miglia de 1957, envolvendo o piloto Alfonso de Portago e seu copiloto Edmund Nelson. A tragédia ceifou suas vidas e a de nove espectadores, incluindo cinco crianças, o que resultou na reformulação e, posteriormente, no fim da tradicional corrida em 1963.
Com uma direção meticulosa e atuações impactantes, “Ferrari” conquistou uma indicação ao BAFTA em 2024, coroando um projeto que Michael Mann gestou por três décadas. A produção passou por diversas reformulações ao longo dos anos, incluindo mudanças no elenco principal. Inicialmente, Robert De Niro esteve cotado para viver Enzo, mas a demora nas filmagens inviabilizou sua participação. Christian Bale assumiu o papel em seguida, mas precisou abandoná-lo devido a conflitos de agenda, abrindo espaço para Hugh Jackman, que também acabou substituído. Assim, Adam Driver assumiu o desafio de dar vida ao enigmático magnata das pistas, entregando uma performance que sintetiza com precisão a complexidade de um homem dividido entre a glória e as cicatrizes de seu passado.
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