Inúmeros fãs já estavam céticos diante de uma nova produção inspirada em vilões do Homem-Aranha, sobretudo considerando que “Morbius” e “Madame Web” não tiveram a recepção esperada. Ainda assim, a Sony manteve a estratégia de investir em antagonistas sem envolver diretamente o herói aracnídeo. Dessa vez, a aposta recai sobre “Kraven, o Caçador”, obra que se propõe a mostrar uma abordagem mais visceral do personagem e a reunir elenco e produção de renome. Aaron Taylor-Johnson, com seu histórico de papéis físicos, assume o papel central; dois vencedores do Oscar reforçam o time, e um diretor tarimbado orquestra a trama. O resultado, porém, apresenta altos e baixos: há sequências empolgantes, mas também efeitos questionáveis e uma narrativa que às vezes se enreda em seus próprios exageros.
O pano de fundo começa a se desenrolar em uma prisão russa, onde Sergei Kravinoff se faz passar por um prisioneiro qualquer até decidir eliminar, sem hesitação, um chefão local que desfrutava de regalias luxuosas. Essa ruptura dá início a uma fuga cheia de violência, na qual Kraven exibe uma rapidez e uma agilidade que lembram, ainda que de longe, o Homem-Aranha — mas sem o menor traço da benevolência típica do herói. O sarcasmo aflora quando ele admite, com um tom quase indiferente, que “caça pessoas”. A partir desse ponto, fica claro que sua brutalidade tem raízes mais profundas do que um mero ímpeto sanguinário.
Recorrendo a flashbacks, o roteiro explica como o jovem Sergei, então estudante nos Estados Unidos, convivia com o meio-irmão Dmitri. O pai de ambos, Nikolai Kravinoff — interpretado por Russell Crowe, que acentua a truculência com um sotaque carregado — obriga os garotos a participar de uma viagem de caça em Gana. Ao disparar a ordem “Atirem para matar. Divirtam-se”, evidencia um perfil violento que trata a brutalidade como passatempo. O ponto de virada ocorre quando Sergei sofre um ataque de um leão gerado por computação gráfica, cuja aparência pouco convincente não prejudica a importância do evento: o sangue da fera se mistura ao do rapaz, e Calypso (ainda jovem) aplica uma poção enigmática que dispara o processo de transformação do futuro “Kraven, o Caçador”. Embora a execução visual fique a desejar, o impacto psicológico criado pela ferocidade paterna e pelo encontro fatal com o animal acaba moldando o ódio que Sergei carrega ao se isolar na inóspita terra natal de sua mãe.
A direção de J. C. Chandor — cujo currículo inclui “Até o Fim” e “O Ano Mais Violento”— tenta equilibrar essa aura mística com um viés urbano, investindo em cenas que valorizam a força e a destreza de Aaron Taylor-Johnson em coreografias repletas de sangue. Os problemas surgem quando os efeitos especiais em tela verde aparecem incompletos, fragilizando a imersão do espectador. Não bastassem as falhas técnicas, a ênfase na brutalidade e no uso constante de termos chulos sugere um esforço deliberado para sustentar o rótulo de “R-rated”. Em determinados diálogos, alguns personagens soam exageradamente agressivos, buscando frases de efeito que nem sempre funcionam.
A história ainda se expande ao apresentar adversários diversos. Dmitri, agora adulto na pele de Fred Hechinger, revela habilidades de disfarce — um indício de que ele poderia encarnar o Camaleão. Já Aleksei Sytsevich (Alessandro Nivola) detesta a família Kravinoff por uma parceria rejeitada no passado, situação que evolui para uma mutação animalesca semelhante a um rinoceronte. Foreigner (Christopher Abbott), por sua vez, domina breves instantes de manipulação do ambiente, surpreendendo inimigos de forma quase hipnótica. Enquanto isso, a Calypso de Ariana DeBose surge como uma advogada imersa em tramas ilegais, mas não exibe o mesmo poder sobrenatural conhecido das HQs, tornando a personagem menos impactante do que poderia ser.
Apesar das críticas, a atuação de Aaron Taylor-Johnson compensa uma parte dos deslizes. Sua aptidão atlética convence nos confrontos diretos, e ele encarna Kraven com intensidade. No entanto, o roteiro fica devendo detalhes sobre as motivações do caçador além da simples retaliação ao pai abusivo, perdendo a chance de aprofundar a natureza calculista que faz deste vilão uma ameaça respeitável nos quadrinhos. Em algumas passagens, a trama se resume a uma série de embates marcados por sangue e fanfarronice, como se temesse incluir elementos reflexivos que pudessem ampliar a dimensão do personagem.
No fim, “Kraven, o Caçador” se sustenta em uma linha delicada dentro do “Sony’s Spider-Man Universe”. Para certos críticos, a produção supera “Morbius” e “Madame Web” em brutalidade e carisma, mas ainda patina em subtramas dispersas. Russell Crowe, embora caricato, diverte quando está em cena, e tanto Ariana DeBose quanto Fred Hechinger demonstram potencial desperdiçado por um argumento que abre muitas frentes sem desenvolver a maioria delas. Com rumores de que este poderia ser o encerramento do SSU devido ao fraco desempenho comercial de outros projetos, o filme ao menos apresenta um anti-herói que não mede consequências. Ainda assim, sem amarras sólidas que justifiquem novos capítulos e sem a presença de seu rival mais famoso — o Homem-Aranha —, o caçador pode não encontrar terreno fértil para se firmar. O longa entrega violência e presença de palco, mas sacrifica a possibilidade de explorar de modo mais complexo o conflito interno que tornaria Kraven uma figura trágica e memorável.
★★★★★★★★★★