O cineasta grego Yorgos Lanthimos consolidou-se como um dos grandes visionários do cinema contemporâneo. Sua filmografia, repleta de produções provocativas e aclamadas, inclui títulos como “Dentes Caninos”, “O Lagosta”, “O Sacrifício do Cervo Sagrado” e “A Favorita”. Seu mais recente trabalho, “Pobres Criaturas”, reafirma essa trajetória brilhante ao conquistar 11 indicações ao Oscar de 2024. Baseado no romance homônimo de Alasdair Gray, publicado em 1992, o projeto remonta a 2009, quando Lanthimos entrou em contato com o autor para discutir a adaptação. Juntos, visitaram locais em Glasgow que inspiraram a narrativa do livro. Contudo, Gray faleceu em 2019, antes do início das filmagens.
O talento de Lanthimos para extrair desempenhos extraordinários de seus atores encontra em Emma Stone uma colaboração singular. Em “A Favorita”, a atriz surpreendeu com uma performance insolente e audaciosa, rompendo com a imagem mais tradicionalmente associada a seus papéis anteriores em comédias românticas. Em “Pobres Criaturas”, Stone amplia essa versão irreverente de si mesma, entregando uma atuação marcada por humor mordaz e energia contagiante.
A trama, inspirada livremente em “Frankenstein”, de Mary Shelley, transpõe a atmosfera sombria do clássico para um universo visualmente vibrante e lúdico. No centro da narrativa está Bella Baxter (Stone), uma jovem que, após se afogar enquanto estava grávida, é trazida de volta à vida pelo excêntrico cientista Godwin Baxter (Willem Dafoe).
Em um experimento macabro, Baxter transplanta o cérebro do feto no corpo da mãe falecida, dando origem a uma mulher adulta com a mente de uma criança. Sob sua tutela, Bella inicia um processo de aprendizado acelerado, despertando a curiosidade de Max McCandless (Ramy Youssef), um dos aprendizes do cientista, que se encanta por sua evolução e deseja casar-se com ela.
Entretanto, os planos de Max são frustrados com a chegada de Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), um advogado libertino conhecido por seduzir mulheres ingênuas. Fascinada pela perspectiva de explorar o mundo além do ambiente controlado de Godwin, Bella embarca em uma jornada de autodescoberta ao lado de Duncan, sem exigir dele qualquer compromisso. Movida pelo desejo de experienciar a vida em sua plenitude, ela se entrega ao prazer sem culpa ou restrição.
A liberdade despretensiosa de Bella subverte as expectativas de Duncan. O advogado, acostumado a dominar suas relações, se vê desarmado diante de uma mulher que não se dobra às convenções românticas ou sociais. Incapaz de lidar com essa autonomia, ele se torna cada vez mais possessivo e opressor. No entanto, Bella não é uma vítima passiva; pelo contrário, ela desafia sua tentativa de controle, reafirmando sua independência e rejeitando qualquer forma de submissão.
A direção de Lanthimos traduz essa narrativa de maneira visualmente impressionante. O contraste entre os cenários é fundamental para a construção da história: enquanto Bella permanece confinada sob a proteção de Godwin, a fotografia assume tons monocromáticos, evocando um ambiente estagnado. Mas quando ela se aventura pelo mundo, as cores explodem em exuberância, refletindo a intensidade de suas experiências.
Inspirado no cinema dos primórdios do século 20, Lanthimos recria a estética dos estúdios teatrais, utilizando fundos pintados e cenários estilizados para compor um universo que mistura o real e o onírico. As lentes olho de peixe e grande angular reforçam a perspectiva distorcida dos personagens, enfatizando a singularidade de suas visões de mundo.
“Pobres Criaturas” é mais do que uma fábula visualmente deslumbrante. Lanthimos constrói um conto sobre autonomia, desejo e o embate entre liberdade e opressão. Em meio à excentricidade, emerge uma história sobre a busca por identidade e sobre como, no fim das contas, a verdadeira revolução está na coragem de viver sem amarras.
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