Christopher Nolan é um cineasta cuja obra frequentemente desafia o público, seja por narrativas fragmentadas, conceitos abstratos ou experimentações técnicas. Ele mesmo já ironizou essa percepção, sugerindo que seus filmes deveriam ser sentidos, não apenas compreendidos. Em “Oppenheimer”, essa questão é suavizada. Embora ainda seja uma obra densa, não chega ao nível de abstração de “Origem” ou “Amnésia”. O maior desafio, talvez, seja acompanhar a extensa galeria de personagens e as linhas temporais entrelaçadas. Ainda assim, entre suas produções, essa se destaca como uma das mais acessíveis, sem abrir mão da complexidade temática.
Com três horas de duração, “Oppenheimer” exige paciência do espectador enquanto constrói sua cadência narrativa. O filme explora o dilema moral e ético de J. Robert Oppenheimer, físico essencial para o desenvolvimento da bomba atômica, cuja invenção resultou na morte de mais de 110 mil pessoas em Hiroshima e Nagasaki. Se, por um lado, a explosão acelerou o fim da Segunda Guerra Mundial, por outro, inaugurou a era da destruição em larga escala e pavimentou o caminho para a Guerra Fria.
Apesar de sua inclinação política à esquerda e conexões com o comunismo, Oppenheimer (Cillian Murphy) foi escolhido pelo general Leslie Groves (Matt Damon), responsável pelo Pentágono, para liderar o Projeto Manhattan. O objetivo era desenvolver uma arma poderosa o suficiente para desestabilizar Hitler, afirmar a superioridade militar dos Estados Unidos e encerrar o conflito global. Oppenheimer, que possuía um rancho em Los Alamos, no Novo México, sugeriu a localização como base para o projeto, um local remoto e estratégico onde cientistas renomados poderiam trabalhar isoladamente. O desenvolvimento da bomba levou três anos e custou cerca de dois bilhões de dólares, exigindo intensas reuniões e cálculos para compreender as dimensões e os efeitos do armamento nuclear.
Rumores de que Nolan poderia detonar uma bomba real para as filmagens causaram alvoroço, mas, embora tenha se divertido com a ideia, o diretor optou por uma abordagem engenhosa. O chamado Teste Trinity, a primeira explosão nuclear do mundo, é retratado como um clarão silencioso, seguido de um estrondo avassalador, capturado com meticulosidade pela equipe de som e efeitos visuais. O impacto sonoro é fundamental, gerando momentos de tensão inesperada. A trilha sonora intensa, os diálogos rápidos e por vezes sobrepostos, além da atmosfera paranoica e da estética noir, criam uma experiência quase hitchcockiana.
Diferentemente da maioria das produções contemporâneas, “Oppenheimer” evita o CGI. Nolan optou por efeitos práticos, utilizando miniaturas meticulosamente construídas para simular a detonação, garantindo autenticidade e textura realista à explosão. Esse compromisso com o realismo dá ao filme uma força visual singular, fugindo do artificialismo digital.
Visualmente, Nolan subverte uma convenção cinematográfica: enquanto o preto e branco geralmente representa o passado e o colorido o presente, aqui ocorre o oposto. As cenas monocromáticas refletem uma perspectiva histórica objetiva, capturando os eventos sob um prisma externo. Já as sequências em cores mergulham na subjetividade do protagonista, revelando memórias e angústias pessoais. Para esse efeito, a Kodak desenvolveu um novo tipo de película de 15 furos, proporcionando uma qualidade de imagem superior, que amplifica a profundidade estética da cinematografia de Hoyte van Hoytema.
Cillian Murphy entrega uma atuação visceral. Perdeu 20 quilos para interpretar Oppenheimer e incorpora com maestria a complexidade do físico — um homem de postura aristocrática e egocêntrica, mas que, ao longo da trama, se vê subjugado pelas forças políticas que antes o enalteciam. Seu triunfo científico logo se transforma em condenação: após consolidar os Estados Unidos como potência nuclear e selar o destino do Japão — já derrotado antes mesmo da bomba —, Oppenheimer se torna alvo de um jogo de poder implacável.
Perseguido por um rival oculto, cuja identidade é melhor descoberta durante o filme, Oppenheimer é submetido a uma investigação federal sob suspeita de ligações com a União Soviética, uma vez que Moscou conseguiu reproduzir a tecnologia atômica. O físico aceita a humilhação pública sem resistência, convencido de que merece expiação pelo impacto devastador de sua criação.
Ele sabia que sua invenção mudaria irreversivelmente os rumos da humanidade. E é por isso que sua voz, ecoando as palavras do “Bhagavad-Gita”, ressoa ao longo do filme: “Agora me tornei a morte, o destruidor de mundos”. Essa citação, repetida em momentos-chave, sintetiza a grandiosidade e o horror contidos na obra de Nolan, que transforma “Oppenheimer” em um épico sobre ciência, moralidade e as consequências irreversíveis do conhecimento.
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