Prime Video e Max: considerado por Tarantino como um dos melhores filmes já feitos, thriller de ação ficou 86 dias no Top 10 mundial Divulgação / Warner Bros.

Prime Video e Max: considerado por Tarantino como um dos melhores filmes já feitos, thriller de ação ficou 86 dias no Top 10 mundial

George Miller retorna ao universo distópico de “Mad Max” em “Estrada da Fúria” (2015), entregando um espetáculo visual e narrativo que encapsula o colapso absoluto da civilização. Trinta anos após “Além da Cúpula do Trovão”, o cineasta australiano não apenas revisita sua franquia, mas a reinventa, apresentando um mundo devastado onde a tirania de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne, 1947-2020) impera. Em um deserto inóspito que se estende por milhões de quilômetros quadrados, ele controla a água — bem mais valioso que ouro — e subjuga uma população miserável, consolidando sua hegemonia com um harém de mulheres forçadas a perpetuar sua linhagem degenerada.

A brutalidade desse universo reflete a visão de Miller, cujo passado como médico emergencista claramente influencia a anatomia da violência gráfica do filme. Ossos expostos, cicatrizes e corpos marcados pela guerra compõem uma paisagem visual impactante, resultando em um pesadelo hipnotizante do qual é impossível desviar o olhar. O roteiro, assinado por Miller, Brendan McCarthy e Nico Lathouris, constrói um estudo filosófico sobre a degradação humana e a ascensão de figuras autocráticas, traçando paralelos inegáveis com líderes totalitários da História — de Hitler a Stalin, de Saddam a Kim Jong-un. A opressão prospera quando sustentada pela complacência dos dominados, e Joe, como seus predecessores, não governa sozinho: é um deus manufaturado, reverenciado por seus asseclas.

Nesse caos, Max Rockatansky (Tom Hardy), reduzido a um mero recurso biológico — um doador involuntário de sangue —, cruza o caminho de Imperator Furiosa (Charlize Theron). Uma guerreira moldada pelo deserto, amputada de sua história e povo, ela personifica o último vestígio de resistência. Se Max encarna o sobrevivente errante, Furiosa é a líder involuntária de uma insurreição que não começou, mas que se vê obrigada a conduzir. O embate entre a perseguidora e o perseguidor transborda das sequências de ação para um subtexto feminista cuidadosamente arquitetado, onde a libertação das noivas de Immortan Joe se desdobra em uma metáfora sobre a autonomia e a luta contra a opressão patriarcal.

Visualmente, “Estrada da Fúria” redefine o conceito de blockbuster. John Seale, diretor de fotografia, orquestra um balé cromático onde o deserto assume nuances de ouro incandescente e cinzas sombrias, enquanto a frenética perseguição se desenrola em meio a um espetáculo de metal retorcido e explosões coreografadas com precisão. O Interceptor de Max, uma extensão de sua própria identidade, emerge como símbolo de sua errância, enquanto os War Rigs se tornam fortalezas móveis em uma guerra sem fronteiras. A justaposição entre sombras e luz, entre o caos e a simetria brutalista do deserto, confere ao filme uma estética pictórica rara no cinema de ação contemporâneo.

A estrutura narrativa se desvia do convencional: em vez de construir um arco heroico tradicional, Miller insere o espectador em um vórtice de destruição e esperança, onde a linha entre o vilão e o anti-herói se dissolve. Max, outrora protagonista absoluto, cede espaço para Furiosa, cuja jornada vai além da vingança ou sobrevivência: ela busca um Éden perdido, um espaço utópico onde a opressão não tem domínio. Contudo, a revelação da inexistência desse paraíso sela a real tragédia do filme – não há refúgio, apenas a luta pela sobrevivência.

Se “Mad Max” sempre foi um reflexo da paranoia sociopolítica de sua época, “Estrada da Fúria” eleva essa característica a um nível profético. A escassez de recursos, a radicalização ideológica e a ascensão de cultos totalitários não são apenas premissas narrativas, mas ecos de uma realidade cada vez mais tangível. O desconforto que o filme provoca não reside apenas na brutalidade gráfica ou no frenesi da ação, mas na percepção de que sua distopia não está tão distante assim.

No desfecho, Furiosa se ergue como a redentora improvável desse cenário infernal, e a última produção da franquia até então deixa um gosto amargo, metálico, reminiscente do sangue e da poeira que impregnam cada cena. “Estrada da Fúria” não apenas resgata “Mad Max” do limbo cinematográfico, mas o transforma em um testamento visual e narrativo sobre os extremos da humanidade. Não há redenção garantida, apenas a promessa de que, para além da areia e do aço, a resistência continua.

Filme: Mad Max: Estrada da Fúria
Diretor: George Miller
Ano: 2015
Gênero: Ação/Aventura
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★