Top 1 mundial da Netflix 20 anos após o lançamento: filme com Michael Douglas e Kim Basinger vira febre global Divulgação / Twentieth Century Fox

Top 1 mundial da Netflix 20 anos após o lançamento: filme com Michael Douglas e Kim Basinger vira febre global

Se estivesse certo o existencialismo de pé quebrado de Sartre e Beauvoir e o meio fosse mais importante que a própria natureza humana, Pete Garrison seria o garoto-propaganda perfeito do casal mais pop da filosofia francesa do século 20. Garrison, o protagonista de “Sentinela” interpretado por Michael Douglas, aferra-se a suas dúvidas como um mendigo a um prato de sopa numa noite de inverno e, como resultado, mete-se numa confusão que o arrasta para 108 minutos de perseguições e tiroteios, justamente por obrigar-se a cumprir seu dever. 

Com bastante experiência diante das câmeras, incluindo participações em séries aclamadas a exemplo de “Homicídio” (1993-1999), “Lei e Ordem” (1990-2024), “West Wing: Nos Bastidores do Poder” (1999-2006) e “The Shield — Acima da Lei” (2002-2008), Clark Johnson mostra-se um diretor cuidadoso, atento aos muitos lances frenéticos de uma história improvável, bem ao gosto do que o público que se deixa levar por esses filmes. George Nolfi adapta o romance homônimo de Gerald Petievich, um ex-agente do Serviço Secreto dos Estados Unidos, destacando as situações absurdas pelas quais passa o anti-herói, encarnado por Douglas com aquele seu modo tão idiossincrásico de misturar charme e uma violência prestes a explodir.

Como Petievich, Garrison é um agente do Serviço Secreto americano, que permanece na corporação alimentando mitos em torno de sua simpática figura. Em 1981, ele livrara Ronald Reagan (1911-2004) de uma morte repentina e brutal levando um tiro no lugar do republicano, e desde então parece ter se especializado em arrostar e conter maníacos, não sem prejuízo da saúde (ainda que ele nunca o admita) e da vida pessoal. Johnson vai entrando nessa esfera da composição do personagem a partir de Sarah Ballentine, a primeira-dama interpretada por Kim Basinger, com quem Garrison tem um affair clandestino — e não, isso não é nenhuma surpresa —, e a vida para ele seria uma maravilha se continuasse assim para sempre. 

Diferentemente do que se tem em “Atração Fatal” (1987), o clássico do thriller erótico levado à tela por Adrian Lyne, aqui Douglas conduz esse homem algo misantrópico e honestíssimo com seus desejos de modo a fazer o espectador a nutrir por ele sentimentos os mais discrepantes, o que colabora muito para que ele venha a ser o principal suspeito da execução de um outro espião, trucidado na porta de casa depois de descobrir que um terceiro colega era um informante do crime organizado.

Garrison vira o inimigo público número um da América, acossado por David Breckinridge, o estereótipo do funcionário de primeiro escalão incorruptível, abnegado e… também vítima da inclinação para casanova do hoje ex-amigo. “Sentinela” passa a um novo tratamento quando da interação entre Douglas e Kiefer Sutherland, dando enfase às relações de mando e, ainda mais importante, aos conflitos extraoficiais dos dois homens.

Jill Marin, a nova estagiária de Breckinridge vivida por Eva Longoria, entra como uma válvula de escape, amenizando a dureza do quase vilão de Sutherland e dando contornos mais difusos ao mocinho torto de Douglas, porém sem nunca ter de fato uma função dramática. Johnson dá seu longa por devidamente terminado insistindo na ambivalência entre dois tipos opostos, esclarecendo que o bandido era, como sói acontecer, alguém que passaria por um autêntico santo. E a santidade não cai nada bem aos homens.

Filme: Sentinela
Diretor: Clark Johnson
Ano: 2006
Gênero: Ação/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.