A comédia romântica que todo mundo ama, mas que Ralph Fiennes morre de vergonha de ter feito, na Netflix RJ Capak / WireImage

A comédia romântica que todo mundo ama, mas que Ralph Fiennes morre de vergonha de ter feito, na Netflix

Sob a embalagem cintilante de um conto de fadas moderno, “Encontro de Amor” oculta uma estrutura carregada de subtexto sociocultural. A narrativa apresenta um embate de classes e expectativas sociais disfarçado de romance improvável entre uma camareira e um político influente. O diretor Wayne Wang conduz essa história com um olhar atento às dinâmicas de poder, tensionando a relação entre privilégio e exclusão. Sua filmografia reflete um interesse contínuo por questões de identidade e desigualdade, e aqui ele costura uma análise sobre como os limites sociais se impõem – e são, ocasionalmente, desafiados.

A cidade de Nova York é apresentada em dois tempos e espaços distintos: a elegância reservada da elite e a realidade laboriosa da classe trabalhadora. Através de uma tomada aérea, vemos o lado menos glamoroso de Manhattan, onde ruas desgastadas e construções de tijolos expostos revelam um cotidiano regido pela resiliência. Nesse cenário, Marisa Ventura inicia mais um dia de trabalho, equilibrando suas responsabilidades maternas com a rotina exaustiva no luxuoso Beresford Hotel. Jennifer Lopez compõe sua personagem com naturalidade, transmitindo ternura e determinação, especialmente nas interações com Ty, seu filho brilhante e curioso, interpretado por Tyler Garcia Posey.

A jornada de Marisa se desenvolve em um ritmo cadenciado, explorando os bastidores do Beresford, onde empregados circulam pelos corredores de serviço, distantes dos holofotes que iluminam os hóspedes privilegiados. O roteiro de John Hughes e Kevin Wade oferece momentos de humor sutil e observação social aguçada, como na cena em que Keef Townsend (Lou Ferguson), chefe da segurança, diverte-se com as câmeras de vigilância, captando o constrangimento de um hóspede expulso nu do quarto. Wang imprime um realismo silencioso a esses detalhes, aproximando o público da atmosfera invisível que sustenta a opulência do hotel.

O segundo ato ganha dinamismo com a chegada de Christopher Marshall, um político ambicioso em plena campanha para o Congresso. Ralph Fiennes incorpora com precisão a dualidade de Marshall: um homem carismático e pragmático, mas também um conquistador irrefletido, acostumado a um mundo de relações superficiais. Sua assistente, interpretada por Stanley Tucci, oferece um contraponto mordaz ao retratar a pressão da vida pública. A confusão de identidades que aproxima Marshall de Marisa é conduzida com um misto de comédia e ironia, culminando em um jogo de aparências onde status e origem se tornam elementos de uma ilusão passageira.

O roteiro introduz Caroline Lane (Natasha Richardson), uma socialite superficial que adiciona um tom cômico ao enredo. No entanto, a incapacidade de Marshall em distinguir a loura da morena sublinha uma crítica mordaz sobre como o privilégio enxerga (ou ignora) aqueles que lhe servem. Wang explora essa ambiguidade de maneira inteligente, tornando a ascensão de Marisa ao centro da narrativa um ato de transgressão contra as normas estabelecidas. A dinâmica entre os protagonistas revela não apenas um romance, mas uma batalha silenciosa contra as expectativas impostas por suas realidades opostas.

No terceiro ato, a história toma um rumo previsível, mas ainda assim eficaz. O reencontro de Marisa e Marshall, após sua demissão e consequente afastamento do Beresford, reforça a ideia de que suas vidas foram moldadas por forças além de seu controle. O papel de Veronica, mãe de Marisa (Priscilla Lopez), introduz um contraponto amargo: para ela, a filha deveria aceitar seu lugar e não aspirar a uma realidade inatingível. Esse conflito familiar encapsula o cerne da narrativa: o desejo de superar barreiras sociais e o peso de um determinismo cruel.

Bob Hoskins, como o mordomo Lionel Bloch, representa um ideal de dignidade perdida, oferecendo a Marisa um raro gesto de solidariedade em um sistema que pouco se importa com ela. Em meio a tantas limitações, “Encontro de Amor” opta por um final otimista, ainda que o subtexto indique que a realidade nem sempre concede finais felizes. Wang, com sua sensibilidade habitual, faz do desfecho uma celebração do amor romântico, mas deixa no ar a sugestão de que as estruturas que mantêm as Marisas do mundo em seus lugares não são fáceis de desmontar. O cinema, afinal, é também um espaço para sonhar.

Filme: Encontro de Amor
Diretor: Wayne Wang
Ano: 2002
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★