Lembro-me bem de quando estreou, em 2001, “Assassinato em Gosford Park”, de Robert Altman. O filme rapidamente conquistou aclamação crítica, tornando-se um dos favoritos ao Oscar no ano seguinte. Na minha casa, um lar de cinéfilos que nunca chegavam às premiações sem antes acompanhar as produções indicadas, o filme certamente foi uma atração. No entanto, lembro-me de que, aos 12 anos, não conseguia entender o que havia de tão interessante naquela obra específica.
“Assassinato em Gosford Park”, ao contrário de outros filmes de grande qualidade, como “O Poderoso Chefão”, lançado décadas antes, não era um filme óbvio. Para mim, que via o mundo com lentes de ingenuidade, não conseguia compreender a mensagem que aquele longo e arrastado filme tentava transmitir.
Décadas se passaram, e eis que me vejo diante dele novamente, desta vez não em DVD, mas disponível em streaming. O filme, agora com imagem envelhecida pelo tempo, me surpreendeu ao ver os atores com rostos notavelmente mais jovens. Decidi dar uma nova chance à história, que, de fato, é conduzida com a opulência e elegância que haviam sido elogiadas mais de duas décadas antes.
Agora, com a cabeça mais amadurecida, compreendo que “Assassinato em Gosford Park” não é simplesmente um filme monótono sobre um assassinato em uma mansão rural inglesa. Trata-se de uma crônica de mistério e suspense que busca delinear as complexas dinâmicas sociais da época, e, surpreendentemente, talvez até seja um filme relevante para os dias atuais.
Ambientada na década de 1930, a história se passa na propriedade aristocrática de Gosford Park, onde os anfitriões, o casal William McCordle (Michael Gambon) e Silvia (Kristin Scott Thomas), recebem uma diversidade de visitantes da alta sociedade. Os convidados devem passar algumas noites no local e, como era costume, cada um leva consigo seus próprios empregados, que devem se misturar com os funcionários locais para tornar a experiência mais acolhedora. Esses empregados têm a missão de cuidar das preferências e necessidades de seus patrões, sempre prontos para serem convocados quando necessário.
As filmagens seguem dois universos paralelos: o dos ricos — uma comunidade arrogante, fútil e mesquinha, composta por membros da aristocracia inglesa e americanos do ramo do entretenimento — e o dos empregados, que vivem nos subterrâneos da casa, sempre preparando tudo para os patrões, ao mesmo tempo em que nutrem um ressentimento crescente em relação a eles.
Quando um assassinato acontece na mansão, um investigador desastrado surge para tentar resolver o caso. Todos se tornam suspeitos, pois William McCordle era odiado pela maioria dos convidados. À medida que as investigações avançam, o mistério parece cada vez mais distante de uma solução. Entretanto, segredos do passado começam a vir à tona, revelando uma história de abusos contra funcionárias da fábrica da família McCordle, além de soluções violentas e invasivas para esses abusos.
O filme explora a disputa de classes, revelando como todos vivem vidas maquiadas, baseadas em aparências, em um cenário onde as desigualdades são gritantes. Por trás da subserviência dos empregados, uma camada de rancor e mágoa foi crescendo ao longo dos anos, tornando o ambiente cada vez mais propício a conspirações e vinganças. Neste sentido, “Assassinato em Gosford Park” segue uma linha que lembra os clássicos romances de Agatha Christie, oferecendo um mistério intrigante a ser resolvido, enquanto investiga as relações de poder, subordinação e ressentimento entre as classes sociais.
O que parecia ser apenas uma história sobre um crime em uma mansão inglesa se revela uma crítica social profunda, que, mesmo após mais de duas décadas, permanece atual. O filme se destaca não apenas por sua trama envolvente, mas também pela forma como retrata as complexas interações sociais e as disputas de poder que moldam a dinâmica entre as classes, tornando-o uma obra atemporal.
★★★★★★★★★★