Casamentos podem ser a oportunidade perfeita para que se unam não duas pessoas que trocam juras de amor eterno que não resistem às luzes esmaecidas da aurora, mas paranoias de vidas fraturadas em alguma curva imprecisa do caminho, e por uma razão compartilhada só pelos dois, são justamente essas suas debilidades que fazem com que o erro imperdoável da união transforme-se numa relação que surpreende pela lealdade com que os cônjuges enxergam-se um ao outro.
Filhos podem ser a oportunidade perfeita para que um homem e uma mulher confirmem ao mundo que sua vontade de seres felizes para sempre pode não parecer assim tão delirante. Mas, e quando cai do azul uma imensa pedra no caminho? Mariana Chenillo tenta responder essa pergunta com “Os Dois Hemisférios de Lucca”, uma trama escrita pela vida como ela é sobre a inesgotável capacidade de superação de problemas graves e que se perpetuam à revelia do esforço mais dedicado desde que haja amor.
As agruras de um casal que se descobre mãe e pai de um filho com limitações físico-cognitiva perenes e faz desse drama que se arrastam pelo tempo uma nova motivação para batalharem juntos e renovarem seu bem-querer, sem ceder espaço a fantasias pueris, é o que de mais hipnótico pode haver no filme de Chenillo. Baseado em sua biografia homônima, publicada em 2019, o roteiro de Bárbara Anderson, escrito com Javier Peñalosa, é uma crônica atemporal que serve de alerta para os perigos do “até que a morte os separe”.
Famílias estão sujeitas a suas muitas horas infelizes, mas nada é tão aterrador quanto saber que o primeiro filho nasceu com uma paralisia cerebral severa, devido a, conforme se vai assistir, uma conjunção de pequenas intercorrências que se mostraram cruelmente nefastas. Depois que não consegue empurrar o bebê para fora do útero, Bárbara, interpretada com bravura por Bárbara Mori, recebe a notícia que há de mudar sua vida e a do marido, Andrés, personagem de Juan Pablo Medina. Esse primeiro ato trágico dá lugar à saga de Bárbara e Andrés em busca de um tratamento qualquer para Lucca. E eles vão longe nesse propósito.
Os dois vão parar na Índia, atrás de um certo Cytotron, uma terapia experimental desenvolvida por Rajah Kumar, um médico desconhecido no Ocidente, subtrama que dá margem ao conflito para o qual a diretora sabe imprimir tintas de um mistério instigante, capaz de prender até o desfecho feliz quem ainda não havia se sensibilizado com a história de Bárbara, Andrés e Lucca, personificado por Julián Tello como só ele mesmo o poderia fazer. O senso de realidade em “Os Dois Hemisférios de Lucca” machuca com a mesma intensidade com que comove.
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