O tempo, com sua força inexorável, é o verdadeiro protagonista de “A Escavação”, filme da Netflix baseado no romance “The Dig”, de John Preston. Sob a direção de Simon Stone, a narrativa emerge como uma meditação sobre perda, legado e a necessidade de encontrar significado em meio às ruínas do passado. Edith Pretty, interpretada com sobriedade e intensidade por Carey Mulligan, é uma mulher cuja intuição a impulsiona a desafiar convenções e a escavar não apenas o solo de sua propriedade, mas também as camadas de sua própria existência.
Viúva, criando sozinha o filho Robert, Edith se vê diante de um momento crucial: encarar o futuro ou se deixar consumir pelas sombras do passado. Seu instinto lhe diz que algo de grandioso jaz sob as colinas de sua terra, e sua convicção a leva a contratar Basil Brown, um arqueólogo autodidata cuja percepção é tão intuitiva quanto sua própria. Juntos, eles desenterram não apenas artefatos, mas também reflexos de suas próprias inquietações e dores.
Brown, inicialmente desacreditado por sua falta de credenciais acadêmicas, encontra na escavação uma forma de redenção. A descoberta de um antigo navio de sepultamento — contendo relíquias atribuídas ao rei Raedwald, figura central da Inglaterra anglo-saxã — transforma sua jornada em algo muito maior do que um feito arqueológico. O ritual de enterrar reis com seus tesouros evoca os faraós do Egito, e Raedwald, conhecido como “Tutancâmon britânico”, ressurge como um símbolo de transição entre crenças pagãs e o cristianismo nascente.
Edith e Basil compartilham mais do que uma missão arqueológica. Ambos são forasteiros em seus próprios mundos, buscando reconhecimento e significado. Para Edith, a escavação torna-se um último ato de afirmação antes que a doença a consuma. Sua culpa pela própria fragilidade se mistura à dor do luto, sugerindo que sua enfermidade pode ser uma manifestação física de sua perda. O filme insinua a somatização do sofrimento em uma época em que a psicanálise ainda era incipiente, levantando questionamentos sobre o impacto emocional no corpo.
Contudo, nem mesmo o triunfo da descoberta concede a Basil o reconhecimento devido. Por não pertencer ao meio acadêmico, sua contribuição é desconsiderada, um reflexo da rigidez das hierarquias intelectuais da época. Ele e Edith, cada qual a seu modo, enfrentam a própria mortalidade e a transitoriedade da existência. No fim, a escavação é mais do que um resgate histórico: é uma tentativa de inscrever suas vidas em algo perene.
“A Escavação” nos lembra que a verdadeira imortalidade está na forma como escolhemos marcar o mundo. Basil e Edith compreendem que, embora a morte seja inevitável, a essência do que fomos pode permanecer, como fragmentos de um passado que se recusa a ser esquecido.
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