Do Leste Europeu para o mundo — por que a Netflix está apostando tão alto nesta série? Divulgação / Netflix

Do Leste Europeu para o mundo — por que a Netflix está apostando tão alto nesta série?

O esporte é uma metáfora perfeita para se discorrer a respeito da finitude, primeiro da glória, depois da própria natureza humana. Quem vê jogadores dispostos num campo de futebol, disputando lances impossíveis a um simples mortal, encarniçados nos rivais até que saia aquele gol de placa feito nos estertores dos segundos derradeiros, capaz de definir uma partida, raramente se dá conta de que aquele espetáculo tem hora certa para acabar, e não se trata do fim do jogo ou mesmo do campeonato. Todos deparamo-nos com obstáculos invencíveis ao longo da vida, muito mais arrebatadores que o tal ponto que decide o torneio, mas escalar essas muralhas não é para fracos ou covardes. Um adolescente em estado de vulnerabilidade social, cujo pai passara a maior parte de sua infância na cadeia, quer ser independente e ganhar sua própria vida. Até aí, tudo certo. 

O problema é quando esse espírito de saudável inconformidade choca-se com uma gente oportunista, perigosa, que encontra nele a chance de expandir sua rede de atividades criminosas sem se sujar, arrastando-o para o torvelinho de glamour e ostentação que logo vira choro e morte. “Hooligan” observa como agem os maus torcedores, que se valem da adrenalina da disputa para liberar seu instinto animalesco, escrutinando a vida de Kuba, um garoto de dezessete anos que oscila entre a possibilidade de um futuro auspicioso e a sedução do mal, sempre na marca do pênalti.

Relações estabelecidas à custa de uma necessidade qualquer são dotadas de uma  complexidade especial, tanto pior se um dos lados se mostra particularmente inacessível, avesso a aproximações mais de perto, tomado por seus sonhos defuntos. O roteiro deKlaudiusz Kuś concentra em Kuba as aspirações de garotos como ele mundo afora, loucos por tênis caros, videogames de última geração e, o principal, reconhecimento.

A premissa de Kuś é manejada pelo diretor Łukasz Palkowski de modo a deixar claro que o protagonista não é, ao menos de princípio, alguém naturalmente propenso à delinquência, mas um indivíduo já tão escaldado que não quer ter a mesma experiência que o pai, preso por integrar a torcida organizada do Gladius, o fictício time de futebol retratado nos cinco episódios, célebre por seus homéricos quebra-quebras nos estádios poloneses. Palkowski distribui a narrativa de forma coesa, apresentando já no primeiro capítulo o conflito central e subtramas que irão adquirir substância dramática não muito tempo depois. 

Kuba, o anti-herói interpretado por Grzegorz Palkowski, reencontra o pai, Michal, de Karol Pochec, numa reunião de família num pub onde também está Zyga, o mafioso que patrocina o Gladius. Aos poucos, emerge das cenas entre Grzegorz e Wojciech Zielinski uma atmosfera de mistério sobre a ligação dos dois, nunca confessada por Justyna, a mãe, vivida por Marta Zmuda-Trzebiatowska. Enquanto Kuba não passa por um calvário que o faz um verdadeiro mártir, Palkowski explora o relacionamento de Kuba e Blanka, cujos pais rodam o globo, alheios, entre outras encrencas, ao anúncio da venda do imóvel em que ela morava com a avó. Mila Jankowska e Grzegorz Palkowski oferecem um respiro quase romântico numa série que se pretendia sobre a violência de falsos torcedores, mas vai muito além e compõe um retrato fiel da pobreza e do desalento, na periférica Polônia ou em qualquer outro lugar.


Série: Hooligan
Direção: Łukasz Palkowski
Ano: 2025 
Gêneros: Crime/Drama 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.