Após assistir a “Zona de Interesse”, é impossível não permanecer estupefato, como se o impacto do que se viu ficasse impregnado na mente por muito tempo. O filme apresenta a monstruosidade do regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial, com foco na figura de Rudolf Franz Ferdinand Höss (1901-1947), um dos homens mais cruéis do Terceiro Reich.
A ascensão de Adolf Hitler ao poder, em 1933, estabeleceu as bases para uma das mais horrendas máquinas de destruição da história, culminando em Auschwitz, onde Höss, como comandante do campo de concentração de Auschwitz II–Birkenau, não hesitava em aplicar com precisão a Solução Final, a “Endlösung der Judenfrage”.
Com uma direção astuta e envolvente, “Zona de Interesse” capta o significado da banalidade do mal, uma expressão de Hannah Arendt (1906-1975), para descrever a insensibilidade de figuras como Höss, que tratavam a morte em massa como uma tarefa de rotina. A narrativa visual, extraída do romance homônimo de Martin Amis (1949-2023), se utiliza de uma ambientação fria e calculada para mergulhar o espectador no universo insustentável de normalidade e crueldade.
A atmosfera criada pela fotografia de Lukasz Zal, com sua luz ambiente que nunca abandona a tela, é um dos maiores triunfos do filme. A cada cena, as emoções se tornam cada vez mais abafadas, como o sussurro do sofrimento distante que se infiltra, até o momento em que os gritos das vítimas do Zyklon B reverberam, já quase inaudíveis, mas ainda presentes na memória do lugar.
No entanto, ao contrário do que muitos poderiam pensar inicialmente, “Zona de Interesse” não se dedica a recontar uma história que já foi amplamente documentada e que muitos julgariam irrelevante revisitar. A proposta não é explorar novas revelações ou personagens desconhecidos, mas sim perguntar, por meio da simplicidade das cenas cotidianas de uma família aparentemente pacata, o que poderia ter levado aqueles indivíduos a se envolverem tão profundamente com o regime nazista. Ao fazer isso, o filme nos desafia a refletir sobre o quanto o “normal” e o “monstruoso” podem coexistir em contextos distantes da nossa compreensão cotidiana.
A estratégia narrativa de Glazer é sutil e desconcertante. Quando vemos Höss contemplando a paisagem ao longe, ele se ergue como uma figura solitária, isolada de todos ao seu redor. Mas essa cena de tranquilidade, uma aparente normalidade, logo é interrompida por uma nuvem de fumaça que lentamente ameaça engolir a cena, e, em contraste com o sofrimento que sabemos ocorrer nas proximidades, é um lembrete inquietante do abismo que separa os dois mundos. Para Höss, o campo de concentração está a poucos metros de distância, mas nada de sua vida cotidiana ou de sua aparente felicidade familiar pode realmente se conectar com a violência e a morte que são inevitáveis no campo.
O que torna a abordagem de Glazer tão perturbadora é a maneira como ele constrói o vínculo entre Höss e sua esposa, Hedwig Hensel (1908-1989), como uma comédia vaudeville desconcertante. Entre festas de aniversário e celebrações natalinas, o filme não oculta o fato de que uma morte indescritível está prestes a acontecer a poucos metros. A normalidade, distorcida, submerge os espectadores em uma desconcertante indiferença.
Cada olhar, cada gesto, é uma exposição da desconexão entre os horrores de Auschwitz e o mundo que Höss e sua família habitam, uma ilusão de normalidade que nos faz questionar até que ponto a civilização pode ser corrompida pelo desprezo absoluto pela humanidade.
“Zona de Interesse” nos leva a um desfecho chocante e simultaneamente reflexivo, quando somos transportados para o memorial de Auschwitz, agora um museu dedicado à memória do holocausto. O contraste entre o impacto da história e a reverência fria da arte nos faz pensar em como o horror do passado ainda persiste na memória coletiva da humanidade.
O filme termina com a mais profunda ironia: embora Auschwitz tenha sido superado, a sombra de seus algozes ainda permeia nossa sociedade, invisível, mas sempre presente. A reflexão proposta por Glazer é uma metáfora inquietante sobre a persistência dos horrores da história e sobre o poder da arte em preservar a memória daqueles que, de alguma forma, permaneceram esquecidos.
O filme, com sua estética sombria e desconcertante, é uma meditação sobre a resistência da verdade e os perigos da banalização do mal, um convite a nunca esquecer os horrores passados e a refletir sobre as sementes de crueldade que ainda podem estar ocultas ao nosso redor.
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