Indicado a 4 Oscars, faroeste inteligente com Tom Hanks está na Netflix Divulgação / Netflix

Indicado a 4 Oscars, faroeste inteligente com Tom Hanks está na Netflix

Jefferson Kyle Kidd, veterano de guerra interpretado por Tom Hanks em “Relatos do Mundo”, encontra uma nova vocação ao exercer um ofício singular: viajar entre os povoados mais remotos da América do século 19 para narrar as notícias do mundo a audiências que mal tinham acesso à escrita. Esse ofício, ao mesmo tempo rudimentar e inovador para a época, reflete não apenas a busca por informação, mas também a necessidade de conexão e compreensão em um país ainda dividido pelas feridas da Guerra Civil. Sob a direção de Paul Greengrass, que volta a colaborar com Hanks após o sucesso de “Capitão Phillips” (2013), o filme constrói uma narrativa que celebra o heroísmo como uma força moral essencial para a coexistência em um território marcado pela intolerância e pelo isolamento.

Embora não se aprofunde em aspectos históricos como a abolição da escravidão em 1865, “Relatos do Mundo” dedica-se a explorar as complexidades sociais e culturais do período. A obra situa-se em 1870, cinco anos após o fim da Guerra de Secessão, em um momento em que os Estados Unidos buscavam estabelecer-se como uma verdadeira democracia. O capitão Kidd, personagem inspirado no romance homônimo de Paulette Jiles, é uma figura que encarna o espírito da comunicação como ponte entre comunidades fragmentadas. Por dez centavos, ele oferece não apenas informação, mas também uma experiência compartilhada, algo tão raro quanto valioso na época.

A trama ganha força quando Kidd encontra o corpo de um homem negro enforcado e, em seguida, cruza com Johanna Leonberger, uma garota branca criada por uma tribo Kiowa. Interpretada com intensidade pela jovem Helena Zengel, Johanna é uma sobrevivente que reflete as fraturas étnicas e culturais do país. Essa improvável parceria entre o veterano e a menina conduz a narrativa, transformando o filme em um “road movie” carregado de tensão e humanidade. Juntos, eles enfrentam os perigos do Velho Oeste e aprendem a construir um laço que transcende as diferenças linguísticas e culturais, ecoando a própria luta do país por integração e identidade.

Greengrass utiliza a jornada de Kidd e Johanna para examinar as dinâmicas raciais da América do século 19. O encontro entre três principais grupos étnicos — indígenas, europeus e afrodescendentes — revela a complexidade de um país que, apesar de sua promessa de liberdade, foi construído sobre violência e exclusão. A direção habilidosa equilibra sequências de ação, como um tiroteio visceral contra um grupo de criminosos, com momentos introspectivos que destacam as interações delicadas entre Kidd e Johanna.

A trilha sonora de James Newton Howard amplifica a atmosfera do filme, evocando a vastidão e a hostilidade do território americano, bem como a resiliência dos protagonistas. Esse pano de fundo musical contribui para mergulhar o público na realidade de um país ainda em formação, onde cada dia representava uma luta pela sobrevivência e por significado.

“Relatos do Mundo” se destaca como uma reflexão sobre o poder da narrativa em unir comunidades e preservar a memória coletiva. Kidd, com sua postura tanto pragmática quanto altruísta, personifica a tensão entre a brutalidade do mundo real e a esperança de um futuro mais civilizado. Em sua essência, o filme não é apenas sobre a história de dois viajantes improváveis, mas sobre a jornada de um país em busca de compreensão, dignidade e redenção.

Filme: Relatos do Mundo
Diretor: Paul Greengrass
Ano: 2020
Gênero: Ação/Drama/Faroeste
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★