Jefferson Kyle Kidd, veterano de guerra interpretado por Tom Hanks em “Relatos do Mundo”, encontra uma nova vocação ao exercer um ofício singular: viajar entre os povoados mais remotos da América do século 19 para narrar as notícias do mundo a audiências que mal tinham acesso à escrita. Esse ofício, ao mesmo tempo rudimentar e inovador para a época, reflete não apenas a busca por informação, mas também a necessidade de conexão e compreensão em um país ainda dividido pelas feridas da Guerra Civil. Sob a direção de Paul Greengrass, que volta a colaborar com Hanks após o sucesso de “Capitão Phillips” (2013), o filme constrói uma narrativa que celebra o heroísmo como uma força moral essencial para a coexistência em um território marcado pela intolerância e pelo isolamento.
Embora não se aprofunde em aspectos históricos como a abolição da escravidão em 1865, “Relatos do Mundo” dedica-se a explorar as complexidades sociais e culturais do período. A obra situa-se em 1870, cinco anos após o fim da Guerra de Secessão, em um momento em que os Estados Unidos buscavam estabelecer-se como uma verdadeira democracia. O capitão Kidd, personagem inspirado no romance homônimo de Paulette Jiles, é uma figura que encarna o espírito da comunicação como ponte entre comunidades fragmentadas. Por dez centavos, ele oferece não apenas informação, mas também uma experiência compartilhada, algo tão raro quanto valioso na época.
A trama ganha força quando Kidd encontra o corpo de um homem negro enforcado e, em seguida, cruza com Johanna Leonberger, uma garota branca criada por uma tribo Kiowa. Interpretada com intensidade pela jovem Helena Zengel, Johanna é uma sobrevivente que reflete as fraturas étnicas e culturais do país. Essa improvável parceria entre o veterano e a menina conduz a narrativa, transformando o filme em um “road movie” carregado de tensão e humanidade. Juntos, eles enfrentam os perigos do Velho Oeste e aprendem a construir um laço que transcende as diferenças linguísticas e culturais, ecoando a própria luta do país por integração e identidade.
Greengrass utiliza a jornada de Kidd e Johanna para examinar as dinâmicas raciais da América do século 19. O encontro entre três principais grupos étnicos — indígenas, europeus e afrodescendentes — revela a complexidade de um país que, apesar de sua promessa de liberdade, foi construído sobre violência e exclusão. A direção habilidosa equilibra sequências de ação, como um tiroteio visceral contra um grupo de criminosos, com momentos introspectivos que destacam as interações delicadas entre Kidd e Johanna.
A trilha sonora de James Newton Howard amplifica a atmosfera do filme, evocando a vastidão e a hostilidade do território americano, bem como a resiliência dos protagonistas. Esse pano de fundo musical contribui para mergulhar o público na realidade de um país ainda em formação, onde cada dia representava uma luta pela sobrevivência e por significado.
“Relatos do Mundo” se destaca como uma reflexão sobre o poder da narrativa em unir comunidades e preservar a memória coletiva. Kidd, com sua postura tanto pragmática quanto altruísta, personifica a tensão entre a brutalidade do mundo real e a esperança de um futuro mais civilizado. Em sua essência, o filme não é apenas sobre a história de dois viajantes improváveis, mas sobre a jornada de um país em busca de compreensão, dignidade e redenção.
★★★★★★★★★★