Inscrito como representante da Argentina ao Oscar 2011, thriller intrigante com Ricardo Darín está na Netflix Divulgação / Patagonik Film Group

Inscrito como representante da Argentina ao Oscar 2011, thriller intrigante com Ricardo Darín está na Netflix

O cinema argentino segue consolidando sua reputação como uma das cinematografias mais intrigantes e consistentes da América Latina, graças à habilidade de produzir obras que combinam primor técnico, narrativas densas e atuações memoráveis. Entre os grandes expoentes está Ricardo Darín, cuja presença na tela transcende fronteiras, conquistando admiradores até mesmo no Brasil. Em “Abutres”, dirigido por Pablo Trapero, Darín dá vida a um personagem de profundidade dramática e melancolia visceral, entregando uma performance contida, mas eletrizante, que não cede ao exagero.

Trapero, em sua primeira colaboração marcante com Darín, demonstra habilidade em capturar momentos de lirismo cruel, um recurso que seria retomado em obras posteriores, como “Elefante Branco” (2012), embora com nuances distintas. O roteiro, escrito em parceria com Alejandro Fadel, Martín Máuregui e Santiago Mitre, estrutura-se como um fio condutor de tensão crescente, ancorado por escolhas narrativas que desafiam o espectador. Uma dessas escolhas se revela nas cenas de abertura: imagens em preto e branco de um acidente automobilístico que desnudam a violência crua e o lado mais sombrio da humanidade. Nessa Buenos Aires desprovida de glamour, as “aves de rapina” do submundo assumem o controle, ecoando um tema que seria revisitado por Dan Gilroy em “O Abutre” (2014).

Na pele de Sosa, um ex-advogado expulso de sua ordem profissional, Darín incorpora um personagem moralmente ambíguo, sobrevivendo em meio a tragédias noturnas. Ele aborda vítimas e familiares em busca de lucro por meio de apólices de seguro e serviços funerários, nem sempre confiáveis. Essa rotina o coloca em colisão constante com figuras sombrias, culminando em um espancamento brutal em um cemitério — uma sequência que encapsula a atmosfera áspera e quase sufocante da narrativa. 

É nesse contexto que Sosa cruza o caminho de Luján Olivera, interpretada com intensidade por Martina Gusmán. Médica de emergência em uma cidade onde o caos parece interminável, Luján representa um contraponto e, ao mesmo tempo, uma extensão das sombras que cercam Sosa. A dinâmica entre os dois personagens se desdobra em camadas complexas, alternando entre fragilidade e instabilidade emocional, configurando uma relação que desafia convenções e reforça a essência noir da obra.

No terceiro ato, Trapero eleva o tom, aprofundando a crítica ao sistema que permite a Sosa sobreviver. O confronto com Casal, um mafioso interpretado por José Luis Arias, acentua a tensão e culmina em um desfecho sangrento, onde as escolhas dos personagens carregam consequências irreversíveis. Essa abordagem destemida e desprovida de concessões reflete uma das marcas registradas do cinema argentino: narrativas originais, repletas de reviravoltas e desinteressadas em agradar agendas ideológicas. A comparação com o cinema brasileiro, nesse aspecto, ressalta uma diferença gritante, destacando o vigor autoral que o cinema portenho continua a ostentar com tanta autoridade.

“Abutres” é mais do que um retrato sombrio do submundo de Buenos Aires; é uma obra que mergulha no abismo da condição humana, oferecendo ao público um espelho perturbador e fascinante.

Filme: Abutres
Diretor: Pablo Trapero
Ano: 2010
Gênero: Crime/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★