Setembro de 1939 trouxe à Europa uma nova sombra de destruição. No primeiro dia do mês, a Alemanha nazista invadiu a Polônia, detonando o início da Segunda Guerra Mundial, que se arrastaria por seis anos. Dois dias depois, o Reino Unido declarou guerra ao Eixo, lançando 22 milhões de britânicos em um turbilhão de sirenes, abrigos antiaéreos e pânico generalizado. Entre os que viviam essa realidade estava Sigmund Freud (1856–1939), então um ícone intelectual conhecido por decifrar os labirintos do inconsciente. Três semanas antes de sucumbir ao câncer de laringe, Freud enfrentava os dias finais com estoicismo. Contudo, uma visita inesperada o colocaria em uma última e simbólica batalha.
“A Última Sessão de Freud”, dirigido por Matthew Brown e baseado na peça homônima de Mark St. Germain, não é sobre um simples encontro, mas um confronto de ideias entre Freud e C.S. Lewis (1898–1963). Enquanto o psicanalista austríaco se consolidava como um ateu convicto e cético, Lewis, o futuro autor de “As Crônicas de Nárnia”, emergia como um apologista cristão fervoroso. O filme explora esse embate filosófico, questionando a fé, a razão e a fragilidade da alma humana diante do caos.
Freud, frequentemente retratado no cinema, encontra em Anthony Hopkins um intérprete à altura. Hopkins encarna com maestria o desalento e o sarcasmo de um homem que já travou todas as lutas possíveis — pessoais, intelectuais e existenciais. Sua performance carrega o peso de uma mente brilhante em declínio, ainda afiada, mas corroída pela dor e pelo cinismo. St. Germain e Brown ampliam essa perspectiva ao inserir o contexto histórico: Londres, sob o impacto iminente do Blitz, enfrentava bombardeios que, entre outubro de 1940 e junho de 1941, deixariam 28 mil mortos. A devastação permeia as conversas entre Freud e Lewis, intensificando a urgência de suas reflexões sobre o sentido da vida e a existência de Deus.
Matthew Goode, como Lewis, contrasta de forma poderosa com Hopkins. Seu Lewis é ponderado, mas firme, um homem moldado pela perda e pela fé, capaz de rebater as críticas mordazes de Freud sem perder a compostura. A interação entre os dois transcende o embate intelectual: é um duelo de mundos, valores e vivências. Lewis, um irlandês que abandonou Belfast para buscar paz, encara Freud, um exilado vienense que carregava o peso de tragédias pessoais, como a perda de sua filha Sophie para a gripe espanhola em 1920. Essa dor latente dá à descrença de Freud uma dimensão trágica e humana, onde Deus surge como um déspota cruel ou, como em Poe, um “sonho dentro de um sonho”.
A grande força de “A Última Sessão de Freud” reside em sua habilidade de traduzir debates complexos em diálogos acessíveis e profundos. A direção de Brown evita excessos didáticos, permitindo que os diálogos fluam com naturalidade enquanto capturam a poesia e o drama das ideias. Mais do que um filme histórico ou biográfico, é uma obra que convida à reflexão, transformando dilemas filosóficos em experiências tangíveis, cuja força ressoa muito além da tela.
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