Mistério de Pedro Alomodóvar indicado a 2 Oscars é um dos tesouros impecáveis da Netflix Divulgação / Sony Pictures

Mistério de Pedro Alomodóvar indicado a 2 Oscars é um dos tesouros impecáveis da Netflix

Ao longo da vida, todos desenvolvemos afinidades por determinados temas ou áreas, muitas vezes a ponto de mergulhar profundamente em suas complexidades. No caso de Pedro Almodóvar, essa obsessão criativa manifesta-se na exploração do universo feminino e dos laços familiares. Em “Mães Paralelas”, o cineasta espanhol revisita essas questões sob uma perspectiva mais madura e multifacetada, revelando camadas de um laço que transcende o biológico e se enreda em dilemas históricos e éticos. Embora o título possa sugerir certa previsibilidade, o roteiro se desdobra em nuances que reafirmam o talento inigualável de Almodóvar para criar narrativas profundamente humanas e instigantes.

Neste drama intimista, Penélope Cruz entrega uma atuação visceral como Janis, uma fotografa madrilenha cuja busca pela maternidade cruza caminhos inesperados. A relação com Arturo, um arqueólogo forense interpretado por Israel Elejalde, surge quase como um acidente do destino. Após uma sessão de fotos para promover o trabalho dele, Janis engravida, mas a narrativa não se limita a explorar as implicações desse evento. Ao contrário, Almodóvar utiliza essa premissa para tecer uma história que transita entre o pessoal e o político, conectando o passado coletivo da Espanha às escolhas individuais de seus personagens.

O contraponto a Janis é Ana, uma jovem de 17 anos que também enfrenta a maternidade de forma inesperada. Interpretada por Milena Smit, Ana traz uma energia contida, quase melancólica, que contrasta com a força vital de Janis. As duas se encontram em um hospital, compartilhando o mesmo quarto durante o parto, e esse encontro aparentemente efêmero transforma-se no catalisador de uma relação complexa e cheia de ambiguidades. Smit, em sua performance minimalista, captura com precisão a vulnerabilidade de uma jovem abandonada emocionalmente pela família, enquanto Cruz domina cada cena com intensidade e profundidade.

Almodóvar, conhecido por seu apuro estético e narrativo, conduz a história com um ritmo calculado, evitando excessos melodramáticos. Em “Mães Paralelas”, ele adota um tom mais contido, mas não menos impactante. As escolhas visuais — paletas de cores vibrantes e composições simétricas — criam uma atmosfera que é ao mesmo tempo acolhedora e inquietante. Essa abordagem reflete-se também no desenvolvimento temático do filme, que aborda questões como a memória histórica e o legado familiar. A busca de Janis pelo paradeiro do bisavô, desaparecido durante a Guerra Civil Espanhola, adiciona uma dimensão política ao enredo, conectando o drama pessoal às feridas não cicatrizadas de um país.

Rossy de Palma, como Elena, a confidente de Janis, e Aitana Sánchez-Gijón, como Teresa, a mãe de Ana, complementam o elenco com performances marcantes. De Palma, com sua presença magnética, traz leveza e um toque de excentricidade à narrativa, enquanto Sánchez-Gijón interpreta uma atriz que prioriza a carreira em detrimento da família, refletindo dilemas contemporâneos sobre maternidade e realização pessoal.

No entanto, nem tudo em “Mães Paralelas” se resolve de forma homogênea. A inserção do arco histórico — envolvendo as fossas comuns da ditadura franquista —, embora relevante, carece de um tratamento mais integrado à narrativa principal. Esse elemento funciona mais como pano de fundo do que como parte essencial da trama, o que pode deixar a sensação de que o filme tenta abarcar mais do que consegue desenvolver completamente. Ainda assim, Almodóvar demonstra sua habilidade ao equilibrar essas subtramas, conferindo-lhes um peso emocional que ressoa com o público.

Em sua essência, “Mães Paralelas” é uma obra sobre conexões humanas — as que escolhemos e as que nos são impostas. Almodóvar explora com maestria as tensões entre esses dois tipos de laços, oferecendo um retrato sincero e por vezes doloroso da maternidade. Com atuações impecáveis, uma direção sensível e uma narrativa que provoca reflexão, o filme reafirma o lugar do cineasta como um dos grandes cronistas das emoções humanas.

Filme: Mães Paralelas
Diretor: Pedro Almodóvar
Ano: 2021
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★