A palavra “genocídio” resulta da combinação entre o grego “genos”, que denota “raça”, e o latim “cide”, que se refere a “matar”. Embora hoje seja amplamente empregada, o termo foi concebido apenas em 1944 por Raphael Lemkin, em sua obra “Domínio do Eixo na Europa Ocupada”. Naquele momento, Lemkin propôs um conceito para descrever as atrocidades cometidas pelos nazistas contra minorias, oferecendo uma lente para compreender a eliminação sistemática de grupos. Desde então, a expressão também tem sido usada para caracterizar outras tragédias, como o extermínio de povos indígenas durante a colonização das Américas.
Esse conceito encontra eco no trabalho mais recente de Martin Scorsese, “Assassinos da Lua das Flores”. Inspirado na obra de David Grann, o filme examina o massacre sistemático dos Osage, uma nação indígena dos EUA, na década de 1920. Embora a palavra “genocídio” não existisse à época, Scorsese a emprega com intenção clara: assegurar que o público compreenda a gravidade histórica dos eventos retratados. Desde que leu o livro em 2017, o diretor demonstrou interesse em levá-lo às telas, enfrentando desafios como os adiamentos causados pela pandemia. Ele buscou a colaboração direta da nação Osage, representada pelo chefe Standing Bear, para garantir que a narrativa fosse autêntica e respeitosa.
O enredo gira em torno de Bill Hale, interpretado por Robert De Niro, um fazendeiro manipulador que orquestra um plano perverso para explorar as riquezas petrolíferas do território Osage. Seu sobrinho, Ernest Burkhart, vivido por Leonardo DiCaprio, é um homem vulnerável, envolvido pelo tio em crimes brutais. A trama se adensa com Molly, uma mulher Osage interpretada por Lily Gladstone, cuja relação com Ernest traz um tom de tragédia pessoal e coletiva. Ernest, guiado pela influência de Hale, participa de uma série de assassinatos que visam consolidar o controle sobre a herança da esposa e de sua família.
O contexto histórico é fundamental: a descoberta de petróleo nas terras dos Osage, no início do século 20, transformou os indígenas em alguns dos cidadãos mais ricos dos Estados Unidos. Esse enriquecimento atraiu não apenas a cobiça, mas também a instituição de leis racistas que restringiam a autonomia financeira dos indígenas, colocando suas riquezas sob o controle de tutores brancos. Tal sistema facilitou desvios financeiros massivos e culminou em uma onda de assassinatos friamente planejados.
Consciente da complexidade do tema, Scorsese estruturou sua obra para amplificar as vozes daqueles que foram historicamente silenciados. Durante as filmagens, depoimentos improvisados por membros da nação Osage foram integrados à narrativa, conferindo autenticidade e emoção. Essa abordagem reforça o compromisso do cineasta em fazer jus à memória coletiva de uma comunidade que enfrentou ganância e violência.
O elenco é um dos pilares da força dramática do filme. De Niro, DiCaprio e Gladstone entregam interpretações de rara profundidade, traduzindo as complexidades emocionais de seus personagens. Com direção meticulosa e roteiro elaborado, Scorsese transforma o longa em uma experiência poderosa. Embora a produção tenha acumulado centenas de indicações, incluindo várias ao Oscar, seu impacto vai além do reconhecimento formal. O verdadeiro legado está na reflexão que promove sobre a violência estrutural contra povos indígenas.
Ao iluminar essa tragédia histórica, Scorsese não apenas revisita o passado, mas também desafia o presente, pedindo um olhar crítico sobre os mecanismos de exclusão e violência ainda em curso. Mais que uma narrativa sobre crimes, o filme é um tributo à resistência e às memórias que o poder tentou apagar, estabelecendo um diálogo essencial com as vozes que precisam ser ouvidas.
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