Com 100% de aprovação crítica no Rotten Tomatoes, obra-prima poética e brutal que vale cada um de seus 107 minutos, na Netflix Lasse Frank / SF Studios

Com 100% de aprovação crítica no Rotten Tomatoes, obra-prima poética e brutal que vale cada um de seus 107 minutos, na Netflix

As guerras, inevitavelmente, devastam aqueles que menos têm a ver com seus propósitos. Idosos, mulheres e crianças veem suas vidas desmoronar em nome de disputas alheias, motivadas pela ganância e pelo desejo de poder. É essa realidade brutal que Ole Bornedal retrata em “O Bombardeio”, uma narrativa baseada em fatos reais que expõe a complexidade do ataque britânico à sede da Gestapo em Copenhagen durante a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente vitoriosa, a operação destrói os arquivos nazistas, mas um erro trágico muda o curso dos eventos: a queda de um avião próximo a uma escola católica transforma o local em alvo, culminando em uma sequência devastadora de mortes de crianças e freiras.  

Bornedal conduz a trama por meio de diferentes perspectivas, humanizando o impacto do conflito. Entre os protagonistas estão as crianças, seus pais, a freira Teresa (Fanny Bornedal), o soldado nazista Fredrik (Alex Høgh Andersen) e os pilotos britânicos. Logo no início, Henry (Bertram Bisgaard) presencia uma cena de horror: um carro cheio de mulheres assassinadas. O trauma o deixa sem fala. Pouco depois, a pequena Eva (Ella Nilsson) testemunha a morte de um jovem nazista em plena rua. Esses momentos iniciais são apenas presságios de uma tragédia ainda maior.  

A idealização do patriotismo como símbolo de união nacional é questionada ao longo do filme. No discurso, defender a pátria parece nobre, mas, na prática, as nações são frequentemente manipuladas por líderes cujos interesses ultrapassam o bem coletivo. Fredrik, um soldado nazista preso nesse sistema, representa essa complexidade. Em um diálogo com Teresa, ela o acusa de ser o próprio demônio encarnado. Ele, resignado, admite: “Tarde demais. A guerra já acabou. Estou condenado.” Apesar disso, Teresa tenta salvá-lo — espiritualmente e moralmente — chegando a encenar um milagre ao usar o próprio sangue para fingir que uma estátua de Cristo sangrava. Esse ato reflete sua descrença na intervenção divina e sua necessidade de agir contra o mal por conta própria.  

Paralelamente, a inocência das crianças é devastada. Antes de ir à escola, Eva recebe uma advertência de seu pai: sem se alimentar, poderia morrer. Horas depois, o verdadeiro perigo se concretiza quando o prédio da escola é bombardeado. Com dezenas de crianças desaparecidas, famílias desesperadas se reúnem em um teatro, aguardando notícias. Henry, mesmo traumatizado, se torna um ponto de apoio, ajudando no reconhecimento das vítimas e no reencontro de famílias. Fredrik, por sua vez, alcança uma espécie de redenção ao arriscar a própria vida para resgatar crianças presas nos escombros, um gesto que transcende sua posição como soldado nazista.  

Bornedal não poupa críticas aos britânicos, igualando sua negligência à brutalidade dos nazistas. Seus soldados são retratados como agentes desastrados, incapazes de prever o custo humano de seus atos. Enquanto isso, Fredrik recebe uma profundidade que contrasta com a unidimensionalidade dos pilotos aliados, sugerindo que a humanidade pode ser encontrada mesmo sob o uniforme de um inimigo.  

“O Bombardeio” não se limita a recontar um episódio histórico; ele é um lembrete poderoso das feridas ainda abertas na memória coletiva da Europa. Cada quadro evidencia o custo emocional e moral da guerra, deixando o espectador diante de uma verdade inescapável: em conflitos armados, não existem vencedores, apenas vítimas.  

Filme: O Bombardeio
Diretor: Ole Bordenal
Ano: 2020
Gênero: Drama/Guerra
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★