Em 1995, Lars von Trier e Thomas Vinterberg propuseram uma nova forma de fazer cinema, rompendo com a dependência de orçamentos exorbitantes e efeitos especiais. Assim nasceu o Dogma 95, uma declaração de princípios que buscava explorar as profundezas da experiência humana, focando em produções mais econômicas e autênticas, sem se apoiar em artifícios visuais para alcançar a essência emocional do público.
Décadas depois, a semente plantada pelo movimento ainda germina em obras como “Ficaremos Bem”, um drama familiar de impacto visceral, assinado pela norueguesa Maria Sødahl. Diagnosticada com um câncer em estágio avançado, Sødahl foi forçada a pausar uma carreira promissora. Sobrevivente do tratamento, transformou sua vivência em uma narrativa que examina a proximidade da mortalidade de forma íntima e poderosa, encontrando no cinema uma válvula para exorcizar seus temores mais profundos.
A história acompanha Anja, uma coreógrafa em ascensão que, ao retornar de uma turnê internacional pouco antes do Natal, é surpreendida por uma notícia devastadora: um tumor cerebral inoperável, cercado por um edema que compromete o tratamento. O roteiro guia o espectador por consultas médicas, exames e remédios, enquanto Anja tenta equilibrar o impacto da doença na dinâmica de uma família grande e complexa, composta por três filhos, três enteados e o marido Tomas, um diretor de teatro que luta para processar a gravidade da situação.
Com atuações de Andrea Bræin Hovig e Stellan Skarsgård, o filme se destaca pela representação crua e multifacetada de seus protagonistas. Anja enfrenta sua realidade com admirável pragmatismo, enquanto Tomas, visivelmente abalado, busca manter uma fachada de força. As interações com os filhos revelam momentos de ternura e honestidade, especialmente em uma cena que se desdobra em diálogos emocionantes e memoráveis.
Inspirado pelo legado de Ingmar Bergman, a obra explora relações conjugais e familiares em situações extremas, mas também encontra sua identidade própria. A fotografia de Manuel Alberto Claro reforça o tom sombrio da trama, enquanto um humor sutil permeia o drama, oferecendo alívio sem desviar do peso emocional. Além dos protagonistas, coadjuvantes como a oncologista de Ingrid Bugge e a jovem Julie, interpretada por Elli Rhiannon Müller Osborne, ampliam a riqueza narrativa. “Ficaremos Bem” reafirma o impacto duradouro do Dogma 95 e o poder do cinema como expressão de humanidade e resiliência.
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