Em “A Mulher do Próximo: Uma Crônica da Permissividade Americana Antes da Era da Aids” (1980), Gay Talese examinava o impacto perturbador da vida íntima nos Estados Unidos frente à disseminação do HIV, uma tragédia que ceifou incontáveis vidas e redefiniu a forma como adultos de todas as orientações enxergam novos relacionamentos. Essa inquietação, ainda que indireta, ressurge em “Observador”, onde um jovem casal decide começar uma nova vida em Bucareste, trocando Nova York por um apartamento que se torna palco de tensão e suspeita. No entanto, só ele domina o romeno, criando um isolamento sutil, mas significativo, para ela.
Essa barreira linguística, aparentemente banal, constrói a atmosfera opressiva ao longo de 96 minutos, explorando a paranoia que espreita nos bastidores do cotidiano. O filme, dirigido por Chloe Okuno, reconfigura a obsessão por intimidade descrita por Talese e se conecta a clássicos do suspense, enquanto mergulha em dinâmicas de relacionamento e as distorções que podem emergir delas. Julia, uma ex-atriz que abandonou sua carreira, luta para se adaptar ao novo ambiente enquanto o marido, Francis, avança na publicidade. Deslocada e ociosa, ela observa pela janela uma figura masculina que a vigia constantemente, evocando a clássica tensão de “Janela Indiscreta” (1954), de Hitchcock.
Ao incorporar personagens como a zeladora e vizinhos falantes de romeno, o filme aumenta a sensação de desconexão da protagonista, que passa a perceber sutis, mas inquietantes, padrões ao seu redor. Em um ponto crucial, Julia cruza com o estranho em diversos cenários — uma matinê que exibe “Charada” (1963) ou o supermercado de onde ela foge apressada. Quando seus pressentimentos finalmente se confirmam, a narrativa acelera, mas tropeça em previsibilidades. Apesar disso, a performance magnética de Maika Monroe e a fotografia de Benjamin Kirk Nielsen ajudam a equilibrar as fragilidades do roteiro.
O desfecho, que expõe o antagonista vivido por Burn Gorman como o temido observador, tenta compensar o previsível com intensidade, mas recorre a soluções narrativas menos sutis. Ainda assim, ao retratar a fragilidade de uma mulher solitária à beira do desespero, Okuno se aproxima do desconforto psicológico que Polanski explorou em “O Bebê de Rosemary” (1968), mais do que da frieza meticulosa de Hitchcock. O filme acerta ao enfatizar o isolamento emocional e a crescente paranoia de Julia, ainda que não escape das limitações de um roteiro que opta por atalhos convenientes.
★★★★★★★★★★