O drama, a ironia e a provocação andam lado a lado em “Pisque Duas Vezes”. Zoë Kravitz, estreando na direção, busca abarcar uma gama de temas contemporâneos, mas sua narrativa vacila diante de diálogos caricatos e excessivamente performáticos, um problema comum em obras similares. Apesar do terreno arriscado escolhido para dar início à sua trajetória como cineasta, Kravitz demonstra coragem criativa. Contudo, o roteiro, coescrito com E.T. Feigenbaum, tropeça em escolhas que comprometem a fluidez e naturalidade desejadas, mesmo que essa espontaneidade pareça não ser a prioridade do filme, abrindo novas camadas de complexidade.
Na cena inicial, Frida, uma garçonete, se prepara para outra jornada de trabalho ao lado de Jess, uma colega desinibida e mais experiente. Elas têm a missão de servir em uma luxuosa festa na mansão de Slater King, magnata de uma grande empresa de tecnologia. Frida, que há tempos esperava por essa oportunidade, se deixa levar pela atmosfera de glamour. No ápice da festa, ambas abandonam os uniformes por vestidos chamativos, destoando do restante da equipe. Na sequência mais leve do filme, Jess ensina uma técnica peculiar para Frida andar com saltos altos antes de sua tentativa de impressionar Slater. Tudo termina em desastre cômico quando a jovem tropeça e cai, antecipando os desenlaces de sua ambição.
O desenrolar dos acontecimentos segue uma lógica esperada, mesmo com o empenho das atrizes principais em manter o público engajado. Slater, o típico bilionário arrogante e manipulador, acolhe Frida, dando início a um romance despretensioso que rapidamente a transporta para sua ilha particular. Zoë Kravitz cria em torno do magnata um microcosmo de figuras exóticas e traiçoeiras, cujas intenções alimentam a atmosfera tensa da história. O tom gradualmente migra para um suspense psicológico, em que o comentário ácido feito por Jess sobre “piscar duas vezes” assume um novo significado.
Entretanto, o filme não consegue equilibrar todas as suas propostas. O enredo desvia-se frequentemente, perdendo força ao manter o foco em um elenco amplo e subaproveitado. Embora Naomi Ackie e Alia Shawkat demonstrem competência em papéis coadjuvantes, suas participações são prejudicadas por escolhas narrativas dispersas, enquanto Channing Tatum entrega uma performance aquém do necessário. A tentativa de abordar traumas vividos por Frida perde impacto em meio a subtramas que fragmentam o discurso principal. Essa dispersão, aliada ao desperdício de potencial dramático, compromete o peso emocional do longa.
★★★★★★★★★★