Peter Jackson se afasta do óbvio ao reinterpretar o romance de Alice Sebold, entregando um filme que cruza limites entre gêneros com ousadia e sensibilidade. Em pouco mais de duas horas, romance juvenil, suspense, drama familiar e fantasia coexistem, com ecos sutis de “Janela Indiscreta”. A narrativa visual arrojada captura a essência do texto original, mas nem sempre alinha sua estética elaborada à densidade emocional que a história exige.
Desde o início, a simbologia domina a tela. O globo de neve, com seu boneco preso, sintetiza a sensação de confinamento que percorre toda a trama. Susie Salmon, narrada com profundidade por Saoirse Ronan, transita entre o mundo dos vivos e um espaço metafísico que mistura encanto e clausura. Lá, ela testemunha o impacto de sua ausência: o pai, obcecado por minúcias artesanais; a mãe, presa à memória do quarto intacto da filha; e George Harvey, interpretado por Stanley Tucci com um magnetismo sinistro, que esconde sua culpa em detalhes perturbadoramente precisos.
Esse espaço intermediário ganha vida com uma estética deslumbrante. Campos se dissolvem em oceanos, gazebos flutuam sob a luz da lua, e a trilha etérea de Brian Eno amplifica a experiência sensorial. Contudo, por vezes, essa exuberância visual dilui o peso dramático, desviando a atenção das questões humanas e terrenas que sustentam a história. A conexão emocional, essencial ao enredo, é ocasionalmente sacrificada em prol de visuais arrebatadores.
O ponto alto emocional ocorre nas cenas que reconstroem a vida de Susie com toques nostálgicos dos anos 70. Detalhes como pingentes infantis e cartazes clássicos moldam a aura de uma adolescente criativa, interrompida por um crime brutal. Em vez de explorar a violência de forma gráfica, Jackson opta por uma abordagem simbólica, capturando o horror em objetos cotidianos e sombras sugestivas. Stanley Tucci destaca-se aqui, incorporando um antagonista de presença inquietante e ameaçadora.
Apesar da força do elenco, algumas tramas paralelas não se desenvolvem com profundidade. Wahlberg e Weisz entregam atuações sólidas, mas o desmoronamento de sua relação é apenas sugerido, deixando arestas na exploração do luto. Em contraste, Rose McIver, como Lindsay, brilha em uma cena de alta tensão, evocando o melhor do suspense clássico. Já Susan Sarandon, como a avó excêntrica, traz alívio cômico, suavizando o tom sombrio predominante.
Jackson, ao reinterpretar os aspectos mais sombrios da obra original, opta por um enfoque mais luminoso, centrado em superação e renascimento. Essa escolha, embora reconfortante, diminui a complexidade emocional da história. A aceitação de Susie quanto à sua morte é retratada de maneira poética, mas o impacto profundo nas relações familiares permanece superficial. As cicatrizes deixadas pelo luto poderiam ter sido exploradas com mais ousadia e sensibilidade.
No desfecho, o filme se estabelece como uma reflexão visualmente rica sobre memória e perda, mas não sem tropeços. Jackson entrega uma experiência marcante, embora desigual, equilibrando momentos de beleza exuberante com uma narrativa que poderia mergulhar mais fundo nas camadas emocionais. Imperfeito, mas ambicioso, o longa encontra seu espaço como uma visão pessoal e única sobre os caminhos do luto e da esperança.
★★★★★★★★★★