Lançado em 1998, o longa “Out of Sight” destacou-se como uma peça emblemática, não apenas por ser uma adaptação inspirada da obra de Elmore Leonard, mas também por evidenciar o talento colaborativo de seus criadores. Com um roteiro de Scott Frank que equilibrava inteligência e suspense, a direção visionária de Steven Soderbergh e a produção ousada de Casey Silver, o filme conquistou seu lugar como referência cinematográfica. Anos depois, o trio retomou a parceria, agora voltada para o universo televisivo, no formato da minissérie “Godless”. Explorando o faroeste com profundidade e uma abordagem inovadora, essa nova empreitada revelou um olhar contemporâneo sobre o gênero, mantendo o trio no topo de sua capacidade criativa.
Scott Frank, após uma trajetória sólida como roteirista de sucessos como “Minority Report” e “Out of Sight”, assumiu desafios inéditos ao se lançar na direção. Embora tenha mostrado competência em títulos como “O Vigia” e “Caçada Mortal”, foi em “Godless” que encontrou o espaço ideal para expandir sua visão autoral. A liberdade oferecida pelo formato permitiu-lhe repensar os alicerces do faroeste, mesclando referências clássicas com sensibilidades modernas, resultando em uma obra de narrativa envolvente e impactante. Aqui, Frank revela sua maturidade artística, transpondo o Velho Oeste para o imaginário contemporâneo com notável autenticidade.
Filmada nos impressionantes cenários do Novo México, “Godless” transforma o ambiente árido em um personagem central da narrativa. A fotografia, com planos amplos e detalhados, enfatiza tanto a hostilidade quanto a beleza desoladora da região, criando uma atmosfera que potencializa os conflitos humanos. O Velho Oeste, com toda sua grandiosidade, ganha um papel simbólico, reforçando as complexidades emocionais e morais da trama. Esse equilíbrio entre paisagem e narrativa visualiza uma luta constante pela sobrevivência em um mundo que não perdoa fraquezas.
No centro de “Godless” estão seus personagens complexos e suas jornadas emocionais. Jeff Daniels oferece uma interpretação notável como Frank Griffin, um fora da lei assombrado por seus traumas, que transcende o arquétipo do vilão para se tornar um estudo profundo da condição humana. Momentos como o desafio de domar cavalos selvagens adicionam camadas simbólicas à narrativa, conectando homem e natureza. Michelle Dockery, como Alice Fletcher, personifica uma mulher resiliente e determinada, mas sua força, assim como a de outras personagens femininas, por vezes é ofuscada por tramas masculinas que dominam a história.
A cidade de La Belle, habitada predominantemente por mulheres após um desastre, é apresentada como um microcosmo de reflexões sobre gênero e poder. No entanto, o potencial dessa dinâmica é explorado de forma desigual, com a narrativa frequentemente dando lugar às histórias masculinas. Apesar disso, momentos marcantes reforçam a força coletiva das mulheres, garantindo que suas presenças não passem despercebidas. Essas escolhas criativas, ainda que limitantes, não diminuem o impacto geral da minissérie, que oferece um olhar instigante sobre o gênero faroeste.
Homenageando clássicos como “Os Brutos Também Amam” e “Josey Wales — O Fora da Lei”, “Godless” também subverte os clichês do gênero. A violência, em vez de ser glorificada, é tratada com introspecção, ressaltando os custos emocionais e sociais das dinâmicas de poder. A tensão entre tradição e progresso está presente em toda a obra, convidando o público a repensar as convenções do faroeste sob um prisma mais crítico e atual.
Por fim, “Godless” emerge como uma análise visceral das raízes históricas dos Estados Unidos, suas contradições e como elas ainda reverberam na cultura contemporânea. Com interpretações marcantes, direção sólida e uma abordagem narrativa que combina brutalidade e sensibilidade, a minissérie transcende pequenos tropeços para afirmar-se como um marco significativo do gênero. Rever “Godless” não é apenas um deleite visual, mas também uma provocação reflexiva sobre as histórias que fundamentam a identidade de uma nação.
Série: Godless
Autor: Scott Frank
Ano: 2017
Gênero: Faroeste
Nota: 10