Um casal e seus dois filhos, encerrados numa ilha, constitui-se uma imagem um tanto repetitiva e paradoxal da solidão, uma vez que lugares tão isolados convidam naturalmente ao recolhimento e à languidez e famílias são portos seguros de calor humano e esperança. Também por isso, “Farol da Ilusão” é tão perturbador. Matty Brown tece uma fábula certeira sobre pessoas obrigadas a deixar o resto do mundo e se resignar com pouca comida, água potável racionada e o alheamento, progressivo e despótico, a corroer almas como a maresia, o ferro. O roteiro de Brown, coescrito com Hend Fakhroo e Yassmina Karajah, é como um sonho, cheio de camadas, nas quais o espectador precisa ir-se deixando enfronhar a fim de entender a importante mensagem que o filme guarda. Pode demorar, mas ela se faz ouvir com toda a clareza.
No fundo, Jana sabe que algo está muito errado com sua vida e a de sua família. Ela passa os dias construindo castelos de areia e brincando com as formigas, as únicas criaturas com as quais partilha seu universo lúdico de poesia e escapismo, e suas impressões servem de guia ao público. É por meio de seu olhar ingênuo que o espectador tem uma pálida ideia do horror que ela, os pais e o irmão vivem, cenário que só se descortina no último minuto. Enquanto isso, Brown faz da brincadeira da menina o atalho para insinuar a verdadeira situação de sua gente, usando um velho rádio analógicocomo o MacGuffin de Jana e os outros, com um significado que apenas arranha a noção de isolamento e desamparo, atenuados pela fotografia de Jeremy Snell, que pinta com cores acesas o mar bravio e o pequeno farol onde eles moram.
O diretor vai acrescentando elementos que cravam o suspense implícito da trama, a exemplo de um sapato vermelho encontrado por Jana, além do que parece um imenso baú amarelo enterrado na praia. Interpretado por Ziad Bakri, Nabil, o pai, está sempre consertando o farol, metáfora um tanto evidente que alude à desorientação dos quatro, adoecendo também no corpo, devido à severa falta do que colocar no estômago. A performance cheia de nuanças de Riman Al Rafeea disfarça até o encerramento a homenagem de Brown, Fakhroo e Karajah ao meio de bilhão de seres humanos forçados a deixar suas casas e sua terra por motivações políticas. Entre esses, crianças, adoravelmente confusas, como Jana.
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