A série, com 3 bilhões de minutos assistidos em sua primeira temporada e 345 dias consecutivos no Top 10 mundial do Prime Video Divulgação / Amazon Studios

A série, com 3 bilhões de minutos assistidos em sua primeira temporada e 345 dias consecutivos no Top 10 mundial do Prime Video

Homens comuns enfrentam situações que demandam-lhes uma dose generosa de alheamento. Por estarem sempre se cercando de todos os cuidados para que nada fuja ao esperado, no momento em que se veem diante de uma grande reviravolta do destino, ainda que tudo possa tornar ao ponto inicial não muito tempo depois, nunca se perdem de si mesmos e acabam optando pela cautela, o que, em dadas circunstâncias, acaba sendo uma maldição. Tipos cujos coração e mente irmanam-se num  processo intrincado e um tanto autodestrutivo, em que o empenho de boa parte de sua energia é gasta na procura desesperada por alguma lembrança que os movam para um lugar onde consigam se refugiar da vida miserável que julgam perfeita ocupam a cultura pop — e o mundo — desde sempre. Jack Reacher que o diga. O protagonista de “Reacher”, a nova série da Amazon, supera em alguns pontos o anti-herói eternizado por Tom Cruise na franquia homônima que, inexplicavelmente, não foi longe. Para o bem ou para o mal, essa é a hora e a vez de Alan Ritchson.

Mocinhos e vilões estão cada vez mais parecidos, e isso além de uma lástima é um perigo à civilização. Ninguém distingue mais a olho nu quem presta de quem não vale absolutamente nada, e por trás do famigerado carisma escondem-se grandes, inomináveis monstros. Por outro lado, personalidades meio nefastas, até macabras podem reservar heróis (ou, mais precisamente anti-heróis) dignos de registro e de todo o nosso respeito. Malgrado a cara emburrada de pouquíssimos amigos, ainda que emoldurada por uma estampa interessante, esses candidatos a salvadores do mundo largam seus projetos individuais, família, sonhos, ambições profissionais para servir a um coletivo que quase nunca os reconhece e até o repele em muitas circunstâncias. 

Como se flutuassem alguns metros acima dos simples mortais, essas criaturas superiores nem têm vontade de esfregar seus poderes extraordinários nas fuças de ninguém, e sem dúvida esse se torna outro de seus admiráveis predicados. O metro e 95 de altura de Ritchson, convenhamos, caem muito melhor para o personagem criado por Lee Child, e o ator, um galã nato, prova-se o homem certo desde o primeiro episódio, quando Reacher parece cair do azul em Margrave, uma cidadezinha da Geórgia, à procura de, como diz, um antigo cantor de folk. O showrunner Nick Santora elabora esse cinismo de Reacher e o eleva a potências imperturbáveis, o sal desta temporada. No dia 20 de fevereiro, quando estreia a terceira parte, o espectador poderá certificar-se se Ritchson tem mesmo toda essa bala na agulha. Dedicado ele é.


Série: Reacher
Criação: Nick Santora
Ano: 2022-2024
Gênero: Ação
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.