Todo mundo pode vender sua alma para quem quiser. São bastante numerosos os casos de gente que faz um pacto com uma entidade qualquer a fim de alcançar um desejo de que não teria chance de usufruir de outra maneira, porém são raríssimos os que, no momento de pagar a conta, descobrem um artifício pelo qual sair pela tangente. A morte chega para todo aquele que vive, mas a depender da capacidade que se tenha para a negociação, ela, muito astuta, reconhece a sagacidade do interlocutor e termina cedendo.
Em “Encontro Marcado”, Martin Brest funde realismo fantástico a uma engenhosa sátira acerca das trapaças do destino, esse tirano da natureza humana que aqui também fica à mercê de alguns imprevistos. Na releitura de Brest para “Uma Sombra que Passa” (1934), de Mitchell Leisen (1898-1972), sobre a Morte, com “M” maiúsculo, que vem à Terra em missão de paz e fica sabendo que é a indesejada das gentes, como a chamou o poeta recifense Manuel Bandeira (1886-1968), resta clara a tentativa do diretor quanto a sublinhar a relação essencialmente dialética do homem e a finitude, manifesta na dobradinha de dois ótimos atores. Mas nem tudo é perfeito.
William Parrish, o dono de um conglomerado de empresas de comunicação, sofre um ataque cardíaco e padece das alucinações que, dizem, os moribundos costumam experimentar na hora que apavora. O roteiro de Ron Osborn, Jeff Reno e Kevin Wade elabora o incômodo de Parrish frente a sua possível nova realidade, destacando os acordes soturnos da trilha de Thomas Newman. Ele se recupera, mas fica escaldado, e em sua festa de aniversário de 65 anos eventos realmente sobrenaturais acontecem. O diretor desloca a ação do palacete do magnata para um café, no qual Susan, a filha mais nova (e favorita) interpretada por Claire Forlani, conhece um rapaz excepcionalmente bonito, que lhe diz todas as coisas que queria ouvir. Algum tempo depois, ela recebe a notícia de que o tal sujeito está morto, mas ele aparece entre os convidados do pai. Pano longo.
Joe Black, o nome com que Parrish passa a chamá-lo, é um emissário do Além bastante singular. Ele veio buscar o ricaço, isso é óbvio desde o princípio, mas à medida que o enredo avança, percebe-se que ele tem muito mais a fazer aqui embaixo do que acabar com as ilusões de velhos cheios da nota. Esse anjo sombrio deseja saber qual o gosto da manteiga de amendoim, o que sentem os humanos quando fecham os olhos e unem seus lábios e vão parar na cama, e então “Encontro Marcado” passa a fazer sentido. O envolvimento de Joe e Susan lembra as aventuras do tenente-coronel Frank Slade de Al Pacino em “Perfume de Mulher” (1992), também dirigido por Brest, malgrado a química entre Forlani e Brad Pitt não seja das melhores.
Ao contrário do que sugere seu nome, Parrish está mais vivo do que jamais esteve, tapeando Joe Black em convescotes com os outros milionários e uma porção de novos programas que alguém que visita o plano terreno pela primeira vez só pode mesmo achar muito estimulantes, e é esse o pulo do gato aqui. Anthony Hopkins desarma qualquer primeira impressão errônea a respeito de seu personagem, movendo-o de um nababo fútil e arrogante para um homem comum, que só anseia por uma segunda chance para aproveitar um pouco mais sua vida. Depois de três horas, quem poderá realmente condená-lo?
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