Filho do empresário Fred Trump, figura central no setor imobiliário de Nova York, Donald Trump trilhou um caminho que o levaria de herdeiro promissor a uma das personalidades mais controversas do cenário global. O filme “O Aprendiz”, com roteiro de Gabriel Sherman e direção de Ali Abbasi, mergulha profundamente na formação desse personagem emblemático. Mais do que um relato biográfico, a obra disseca o surgimento do magnata que transcendeu os negócios para ocupar o centro das atenções na política americana e na cultura popular. Em meio às suas conquistas e escândalos, a narrativa explora como Trump expandiu seu império para áreas como hotelaria, entretenimento e programas de televisão, consolidando-se como uma marca global.
O filme apresenta Trump como um estrategista implacável, mas não poupa o espectador de suas controvérsias. As sucessivas acusações de fraudes fiscais, processos por discriminação racial, obstrução de justiça e tentativas de alterar os resultados das eleições de 2020 compõem um retrato incômodo, mas essencial para compreender o homem por trás da figura pública. Embora nenhuma dessas alegações tenha resultado em condenações criminais até o momento, elas reforçam a aura polêmica que o acompanha.
Sebastian Stan se destaca ao interpretar o 45º presidente dos Estados Unidos, conferindo profundidade a um personagem marcado por ambições desmedidas e estratégias questionáveis. O filme traça os primeiros anos de Trump como um jovem empresário, incluindo os processos por discriminação em propriedades familiares e sua relação com Roy Cohn, interpretado de forma brilhante por Jeremy Strong. Mentor e advogado de Trump, Cohn foi determinante na formação do estilo combativo e audacioso que definiria sua trajetória.
Roy Cohn, por sua vez, é uma figura que merece atenção especial na narrativa. Promotor no julgamento do casal Rosenberg, acusado de espionagem durante a Guerra Fria, e assessor do senador Joseph McCarthy na infame “caça às bruxas” contra comunistas, Cohn construiu uma reputação marcada por táticas agressivas e antiéticas. Sua queda foi tão dramática quanto sua ascensão: descredenciado em 1986 por conduta imprópria, ele acabou abandonado por Trump em seus últimos anos de vida. Essa ruptura simboliza uma das lições centrais da narrativa: para Trump, a lealdade é descartável quando deixa de servir aos seus interesses.
“O Aprendiz” não se limita a uma crítica ao personagem. Ele também revela as dinâmicas de poder que moldaram a sociedade americana nas últimas décadas, expondo as estruturas que permitiram a ascensão de figuras tão polarizadoras. A relação entre Trump e Cohn é apenas um dos exemplos de como alianças oportunistas podem redefinir carreiras e influenciar o curso da história.
A direção de Ali Abbasi traduz essa complexidade com maestria, construindo um filme que provoca reflexões profundas. As atuações são um dos pontos altos: Jeremy Strong brilha ao retratar a ambiguidade moral de Roy Cohn, sendo apontado como forte candidato ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Já Sebastian Stan impressiona ao capturar as nuances de um jovem Trump, balanceando carisma e ambição desmedida.
A recepção calorosa no Festival de Cannes, com uma salva de palmas que durou oito minutos, reforça o impacto da obra. No entanto, sua distribuição encontra desafios: a tentativa de venda para a Netflix não prosperou, devido ao receio da plataforma de alienar parte do público americano. Mesmo assim, “O Aprendiz” se firma como uma produção indispensável para quem busca entender as forças que moldaram um dos períodos mais tumultuados da história recente dos Estados Unidos.
Ali Abbasi entrega mais do que um filme; ele apresenta um retrato contundente e multifacetado de Donald Trump e das estruturas que possibilitaram sua ascensão. A obra, provocadora e intensa, deixa o espectador refletindo sobre as implicações de poder, ambição e lealdade em um mundo onde as aparências frequentemente superam a substância.
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