Ficção científica com Brad Pitt e Tommy Lee Jones é uma das obras mais geniais e que mistura Kubrick e Coppola em um só lugar, na Netflix Francois Duhamel / 20th Century Studios

Ficção científica com Brad Pitt e Tommy Lee Jones é uma das obras mais geniais e que mistura Kubrick e Coppola em um só lugar, na Netflix

O vigor de “Ad Astra – Rumo às Estrelas” está em sua capacidade de harmonizar uma narrativa meticulosamente elaborada com margens para reflexão, apoiada por uma interpretação visceral de Brad Pitt. Em vez de se apoiar exclusivamente em técnica, Pitt constrói um personagem profundamente humano, calcado em intuição e entrega emocional. O major Roy McBride, figura central da trama, carrega o peso de um herói hesitante, marcado por dilemas que desafiam sua própria noção de heroísmo. Distante da idealização, ele é moldado por medos, traumas e pela dor de encarar o vazio interior que o separa tanto dos outros quanto de si mesmo.

James Gray, ao lado do corroteirista Ethan Gross, entrega um roteiro que vai além de convenções narrativas. Diferente de Mark Watney, o astronauta resiliente de “Perdido em Marte” (2015), Roy McBride não enfrenta apenas os perigos do cosmos, mas também a sombra de um pai ausente. O personagem, interpretado por Tommy Lee Jones, representa uma presença fantasmagórica que norteia a busca do protagonista. Clifford McBride é tanto o ponto de partida quanto o destino final de uma jornada permeada por culpa, ressentimento e desejo de reconciliação.

Brad Pitt transita entre as facetas contraditórias de Roy com uma naturalidade impressionante. Sua performance combina momentos de frieza calculada, exigida pelas missões, com lapsos de vulnerabilidade que revelam a profundidade de seu tormento interno. Esse contraste é intensificado pela direção de Gray, que evita julgamentos morais simplistas e explora a ambiguidade de escolhas humanas em situações extremas. Quando o filme parece se aproximar de clichês melodramáticos, Gray retoma o controle com uma elegância narrativa que reafirma a complexidade de seus personagens.

No centro da narrativa, Clifford McBride é apresentado como um homem consumido por suas obsessões, uma figura trágica cujas ações levaram à ruína não apenas sua equipe, mas também os laços que deveria preservar com seu filho. Tommy Lee Jones incorpora esse personagem com uma intensidade que oscila entre a genialidade e o delírio, ecoando a figura de um Dom Quixote espacial, em luta contra inimigos invisíveis. Sua presença, embora intermitente, é fundamental para o impacto emocional do filme, especialmente nos momentos em que pai e filho se confrontam em uma tentativa tardia de compreensão mútua.

A narrativa se desenrola como uma metáfora das relações humanas, especialmente daquelas marcadas por rupturas e silêncios. O arco do protagonista revela um homem que, para encontrar sentido em sua existência, precisa primeiro confrontar seus medos mais profundos. Gray conduz essa jornada de forma magistral, alinhando o desenvolvimento pessoal de Roy às questões mais amplas de exploração espacial e dominação interestelar. Ainda que o pano de fundo seja grandioso, o foco permanece nas batalhas internas do personagem, tornando sua luta universalmente reconhecível.

A relação entre Roy e Clifford atinge um clímax devastador. O peso da reconciliação impossível e da aceitação do fracasso paterno transforma a narrativa em uma sóbria meditação sobre legado e responsabilidade. A performance de Pitt e Jones é decisiva para essa densidade emocional, entregando camadas de significado que ecoam muito além dos diálogos.

Outro ponto alto é a fotografia de Hoyte van Hoytema, que traduz o vazio do espaço em imagens deslumbrantes. As paisagens interplanetárias contrastam com a solidão do protagonista, enfatizando sua desconexão tanto com o universo ao seu redor quanto com sua própria identidade. Cada enquadramento não é apenas visualmente impactante, mas também carregado de significado, contribuindo para a imersão do espectador na psique de Roy.

Filme: Ad Astra – Rumo às Estrelas
Diretor: James Gray
Ano: 2019
Gênero: Drama/Ficção Científica/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★