Jordan Peele transformou-se em um nome essencial quando se fala em terror contemporâneo. Aos 43 anos, o cineasta nova-iorquino revolucionou o gênero ao combinar elementos do suspense tradicional com críticas sociais contundentes. Ele estreou como diretor em 2017, com o marcante “Corra”, que lhe garantiu o Oscar de Melhor Roteiro Original. Dois anos depois, voltou a surpreender com “Nós”. Agora, seu mais recente trabalho, “Não! Não Olhe!”, provoca mais reflexões do que sustos, reforçando seu estilo único.
O chamado black horror, gênero com o qual Peele é frequentemente associado, tem raízes que remontam aos anos 1970, quando o blaxploitation e as comédias sombrias começaram a moldar essa estética. Filmes como “Blacula, O Vampiro Negro” abriram caminhos para o uso de protagonistas marginalizados e metáforas afiadas. Nos últimos anos, essa vertente ganhou nova força ao abordar realidades sociais que transcendem o entretenimento, como explica Gabrielle Bellot em um artigo para o The New York Times Magazine: “O ressurgimento do black horror força o público a encarar a realidade aterradora de ser negro em um mundo que ainda associa a pele escura ao medo, incerteza e perigo”.
Em “Não! Não Olhe!”, a narrativa acompanha Otis Junior (Daniel Kaluuya) e sua irmã Emerald (Keke Palmer), donos de um rancho especializado no treinamento de cavalos para produções cinematográficas. Suas vidas mudam drasticamente quando eventos misteriosos começam a ocorrer: uma nave alienígena parece espreitar o local, escondendo-se sob uma nuvem permanente. Com a ajuda de Angel (Brandon Perea) e do visionário diretor de fotografia Antlers (Michael Wincott), eles buscam documentar o fenômeno, não apenas para entender o que está acontecendo, mas também como uma oportunidade de lucro em meio às dificuldades financeiras do rancho.
A influência de Steven Spielberg, em especial de “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, é evidente na construção da tensão. Desde a cena inicial, que retrata uma tragédia bizarra envolvendo um macaco treinado em um estúdio de TV, Peele cria uma atmosfera de desconforto crescente. O filme, no entanto, vai além da simples narrativa de sobrevivência contra forças extraterrestres. A trama revela que olhar diretamente para o óvni é fatal, simbolizando o poder destrutivo da fascinação humana pelo espetáculo.
Peele não apenas subverte as convenções do gênero, como também sugere críticas à indústria cinematográfica e à sociedade. O óvni não é o foco, mas sim o que ele representa: a obsessão pela captura da imagem perfeita, a espetacularização da tragédia e a exploração incessante de recursos e vidas. O uso de animais no filme também reflete sobre a exploração capitalista, colocando em pauta as condições de trabalho e a resistência aos abusos.
A trilha sonora e os efeitos sonoros, criados sob a direção de Michael Abels, são ferramentas indispensáveis para intensificar a tensão. Assim como Hitchcock revolucionou o suspense, Peele utiliza sons e silêncios como instrumentos para conduzir as emoções do público. Essa habilidade, somada ao desenvolvimento minucioso de personagens, permite que o elenco entregue atuações memoráveis, explorando com profundidade as camadas de suas personalidades.
Com “Não! Não Olhe!”, Jordan Peele consolida sua posição como um dos diretores mais instigantes de sua geração. Ele não apenas inova no terror, mas também transforma o cinema em um espaço de reflexão crítica, onde o entretenimento dialoga diretamente com questões profundas sobre sociedade, poder e imagem.
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