Em “A Mulher do Próximo: Uma Crônica da Permissividade Americana Antes da Era da Aids” (1980), o grande Gay Talese traçava uma perturbadora relação entre a intimidade do americano médio e a disseminação do HIV, o vírus que abreviou vidas — sobretudo de homens que faziam sexo com outros homens — e mudou de uma vez para sempre o comportamento de adultos com todas as preferências diante de um possível novo parceiro ou parceira. Numa das primeiras cenas de “Observador”, um jovem casal faz amor no sofá do apartamento em que passam a viver, depois de trocarem Nova York por Bucareste, sendo que apenas ele fala romeno.
Esse detalhe aparentemente insignificante na reconfiguração do cotidiano dos dois estende-se por 96 minutos de uma história não sobre uma doença invasiva e sorrateira, mas sobre a paranoia por trás das paredes de nossos vizinhos, outra das obsessões de um dos pais do jornalismo literário nos Estados Unidos. O filme de estreia de Chloe Okuno volta a Talese, aludindo também a exemplos do melhor cinema, para falar de relacionamentos e suas perversões, até levar a história por um caminho bem menos sutil.
Julia tenta se adaptar a sua nova vida depois que o marido, o publicitário Francis, de Karl Glusman, recebe uma promoção e passa a ser o responsável por contas de empresas importantes no Leste Europeu. De cara, fica claro que Julia precisa ocupar-se — a certa altura, sabe-se que ela é uma ex-atriz que decidiu largar tudo porque descobrira que aquilo “não era para ela” —, mas o roteiro de Okuno e Zach Ford mantém-se vibrando nesse diapasão para que a trama faça sentido, um dos pontos fracos do longa.
A diretora inclui elementos como uma zeladora e vizinhos que estão sempre por perto, falando, claro, no seu idioma nativo, a fim de aumentar a sensação de deslocamento de Julia, que começa a passar o tempo em frente à ampla janela da sala, percebendo que, todas as vezes em que ela olha, há uma silhueta masculina a fitá-la. A referência à “Janela Indiscreta” (1954), o clássico de Alfred Hitchcock (1899-1980), é óbvia, e como se assiste na iminência do desfecho, depois de confirmarem-se as suspeitas da moça quanto à identidade do tal observador, com quem cruza no cinema, na matinê em que é exibido “Charada” (1963) de Stanley Donen (1924-2019), e entre as gôndolas de um supermercado, do qual escapa pela porta dos fundos, seu sexto sentido não a enganara.
A excelente performance de Maika Monroe, auxiliada pela fotografia de Benjamin Kirk Nielsen, não é o bastante para livrar o filme da previsibilidade, atenuada com a solução deus ex machina de colocar o antagonista interpretado por Burn Gorman em todos os momentos uma vez feita a revelação de que Julia sempre estivera certa em seus pressentimentos. De qualquer modo, sai por cima ao apostar no argumento da mulher solitária à beira da insânia porque subitamente longe de seu porto seguro, e aí Okuno fica mais parecida não com Hitchcock, mas com o Polanski de “O Bebê de Rosemary” (1968).
★★★★★★★★★★