Alguns perseguem sonhos por toda a vida, mas os moldam ao sabor dos dias, até que um momento qualquer os revela irreconhecíveis. Essa dança constante de ajustes reflete a própria essência do existir. Em meio a ganhos e perdas, as expectativas se diluem, mágoas se enraízam em laços outrora sólidos, e até o simples ato de seguir adiante parece uma batalha contra forças inclementes, exigindo calma que nunca chega quando mais se precisa.
No centro desse turbilhão, um ancião marcado pela lucidez cortante dá rosto ao desafio. Em “Cavalos Selvagens”, ele não espera clemência nem razão. Persegue um ajuste de contas que, aos olhos da lei, soa trivial, mas que para ele é a linha tênue entre a dignidade e a humilhação absoluta. Sua luta é o fio condutor de um relato que transita entre o absurdo e o sublime, com Marcelo Piñeyro expondo a ironia brutal de um sistema que torna árdua a conquista de direitos básicos.
Com uma narrativa ao mesmo tempo feroz e elegante, o filme examina as contradições do humano em um embate por justiça. José, sexagenário, resume esse espírito: sua batalha por uma restituição tributária há décadas atrasada representa mais que dinheiro — é uma questão de sobrevivência. Ao sentir a proximidade do fim, ele decide confrontar o banco, armado com um revólver infantil, e aposta tudo em um gesto desesperado que mistura tragédia e humor ácido.
A história escala de forma vertiginosa quando, diante de câmeras de reportagem, a situação se transforma em um espetáculo improvável. Piñeyro conduz a narrativa com precisão cinematográfica, favorecida pela edição engenhosa de Juan Carlos Macías. A ação transborda para fora do banco, onde o velho improvisa como assaltante relutante e leva como refém Pedro, o funcionário que primeiro o atendeu, desdobrando-se em eventos tragicômicos e inesperados.
O final, carregado de simbolismo, celebra os paradoxos da vida e a complexidade da liberdade, sem oferecer respostas fáceis. Héctor Alterio e Leonardo Sbaraglia entregam performances marcantes, reforçando a força do filme enquanto explora os limites do humano frente a um sistema opressor. Entre risos e lágrimas, a obra se despede com uma força poética que ecoa muito alem de sua última cena.
★★★★★★★★★★