O trágico, o cômico e o sensual caminham lado a lado em “Pisque Duas Vezes”. A estreia na direção de Zoë Kravitz quer abraçar muitos temas relevantes ao mesmo tempo ao passo que sempre deixa no ar a sensação de que essa irrequietude não se sustenta senão por força de diálogos engraçadinhos, até mesmo histriônicos, maldição que ronda 99,99% das produções congêneres. Kravitz, justiça se lhe faça, escolheu um terreno pantanoso no qual lançar suas primeiras sementes como criadora. Entretanto, há muitas cascas de banana que seu roteiro, escrito com E.T. Feigenbaum, poderia ter evitado se quisesse um efeito mais natural — ainda que esta jamais pareça ter sido sua intenção e gere uma nova dificuldade.
Na primeira sequência de “Pisque Duas Vezes”, a garçonete Frida arruma-se para mais uma noite de trabalho com colegas como Jess, uma garota muito mais descolada. As duas vão servir na mansão de Slater King, o proprietário e diretor-executivo de uma big tech, e pelo que se assiste depois, a moça sonhava com a chance há algum tempo. No meio da festa, elas trocam o uniforme por vestidos coloridos e decotados — em meio a um mar de tubinhos pretos bastante sóbrios — e vão para cima de Slater, ou melhor, Frida o faz. Elas improvisam uma entrada triunfal no salão, Jess ensinando uma inusitada técnica para ajudar a amiga a andar em saltos altos na cena mais divertida do longa, até que o inevitável acontece e Frida estatela-se no chão.
O que vem no bojo é acintosamente previsível, malgrado o duo de protagonistas dê o sangue no esforço de capturar o interesse da audiência. Slater, claro, ampara Frida, os dois começam um flerte à primeira vista sem grandes pretensões de parte a parte, e, quando menos se espera, ela está aboletada na ilha particular do ricaço. Kravitz é competente em elaborar os tipos exóticos, levianos e malfazejos a orbitar em torno de Slater, ele próprio a encarnação do bilionário presunçoso e hipócrita, que achega-se do proletariado para saciar apetites que vão bem mais longe que o sexual.
A blague dita por Jess sobre piscar duas vezes depois que ouve um comentário do psicanalista de Slater no coquetel dias antes começa a fazer sentido, e aos poucos o filme vai desaguando no terror psicológico que prometia, com Naomi Ackie e Alia Shawkat bem afinadas, adjetivo que não se aplica para Channing Tatum. A tentativa de expor a violência sexual sofrida por Frida esvai-se em meio à opção de manter em cena os muitos coadjuvantes, a ponto de desperdiçar Ackie e Shawkat em vários momentos, o verdadeiro pecado mortal aqui.
★★★★★★★★★★