Ninguém ousava desafiar a autoridade paterna no Reino Unido do começo do século 19, por mais sombrias que fossem as consequências dessa submissão sem limite e nada convicta. A escritora britânica Jane Austen (1775-1817) foi uma das artistas que melhor retratou esse lado obscuro da sociedade em que viveu, dando origem a uma narrativa caudalosa, que se espraiou em três volumes. Poucos artistas no mundo encarnaram com tanta perfeição a dicotomia fundamental do amor como Jane Austen (1775-1817) ou suas personagens — o que vêm a dar no mesmo.
Uma das escritoras que melhor retratou o lado obscuro da sociedade em que viveu, sobretudo para as mulheres, a inglesa só veio a ter reconhecido o talento que manifesta em livros como “Orgulho e Preconceito” muito tempo depois de sua morte, em 18 de julho de 1817. A influência de Austen fica cada vez mais evidente à medida que “A Lista do Sr. Malcolm” toma corpo. O trabalho de Emma Holly Jones é uma louvável tentativa de emular o talento de uma das autoras mais populares da literatura universal, com a adição de elementos bastante peculiares.
Ricos vão desenvolvendo hábitos estranhos até para si mesmos, tudo para se manter o mais distantes quanto conseguirem da massa ignara, os pobres mortais que, trocando em miúdos, permitem-lhes jamais descer de pedestal de glória e encantamento com que os destino os premia. É claro que nunca há garantia o bastante de que fortunas colossais não derretam de um minuto para o outro e a magia se desvaneça para sempre, e por isso é que endinheirados e suas camarilhas rodeiam-nos, primando pela sutileza, mas também sabendo projetar suas garras quando necessário, dando conta de virtuais predadores antes que a cúpula perceba.
Todo filme como “A Lista do Sr. Malcolm” tem de pagar tributo a “Razão e Sensibilidade” (1811), “Orgulho e Preconceito” (1813), “Emma” (1815) e “Persuasão” (1817), a trilogia de Austen sobre garotas levianas, amores que sobrepujam convenções e aristocratas perdidos em sonhos de grandeza que feneceram. Aqui, o roteiro de Suzanne Allain, baseado em seu romance homônimo, de 2009, discorre sobre aristocratas negros e asiáticos perdidos nas confusões expostas por Austen há duzentos anos, o que pode parecer um delírio, sem dúvida, mas é também uma perturbadora licença poética para que enxerguemos o absurdo do racismo. Como Jeremy Malcolm, um lorde dado a leviandades quando o assunto é o belo sexo, Sope Dirisu chega lá. E o resto é espuma.
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