Dizer que um filme sobre as descobertas da infância é encantador pode soar ou redundante ou apressado, uma vez que o universo da criança caracteriza-se por uma magia invulgar, pura, e, por óbvio, pelo confronto com a vida como ela é. A história de um garoto idealista, cujo pai, um expatriado alemão e jornalista dissidente escondido na França durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), aciona alguns gatilhos até nas plateias mais distanciadas desse universo, e é por aí que “Caminho para a Liberdade” ganha o espectador. A adaptação de Tobias Wiemann para o romance de mesmo nome publicado por Rüdiger Bertram em 2017 sobre os sentimentos mais recônditos de um personagem que bem poderia ser qualquer um a qualquer tempo, tanto mais num mundo de incertezas crescentes como este que nos rodeia.
Em “Caminho para a Liberdade”, Wiemann emula o Fellini de “Amarcord” (1973) ou mesmo o Bergman de “Fanny e Alexander” (1982), cineastas que, ao se debruçarem sobre as lembranças doces e amargas de personagens ainda por completar o processo de amadurecimento, deram à luz obras imperecíveis porque bravas em seu ímpeto de não se resignar com o tédio confortável da superfície. O roteiro de Bertram e Juytte-Merle Böhrnsen recupera as impressões do autor sobre o que é uma infância vilipendiada pelo horror de ataques bélicos, legando a um menino ingênuo a vontade de transformar os adultos que encontra ao longo de sua jornada.
Na introdução, Rolf Kirsch está numa praia com o pai, Ludwig, imagem de lírica tristeza com que o diretor pontua os próximos lances da narrativa. Wiemann explica que Ludwig é procurado pela Schutzstaffel, a polícia política de Hitler, que tem uma relação dos dissidentes que ainda não haviam sido mandados para um dos quarenta mil campos de concentração do nazismo, mas também diz que o personagem de Volker Bruch pode ser resgatado pelo governo americano, desde que dê a sorte de conseguir passar à frente de outros perseguidos do novo regime. Pouco depois, Rolf conta apenas com Adi, seu cachorro de raça indefinida e rara inteligência, com quem atravessa a fronteira entre a Espanha e a França, até juntar-se a Nuria, uma outra pequena desgraçada.
Julius Weckauf torna-se a parte mais saborosa do enredo. A saga de Rolf em busca da mãe, Katja, de Anna Maria Mühe, depois que Ludwig cumpre um destino cruel, lembra o surrealismo de Taika Waititi em “Jojo Rabbit” (2019), mas reveste-se de um pouco mais de personalidade com o trabalho de Nonna Cardoner. “Caminho para a Liberdade” é um filme de crianças para adultos, uma fábula agridoce sobre vencer lonjuras físicas e metafóricas e chegar ao outro lado. E ter esperança, como nos ensina Rolf Kirsch, sempre ajuda.
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