Se você é fã de faroeste, precisa parar agora o que está fazendo e assistir essa obra genial que foi ovacionada no Festival de Veneza, na Netflix Divulgação / Koch Media

Se você é fã de faroeste, precisa parar agora o que está fazendo e assistir essa obra genial que foi ovacionada no Festival de Veneza, na Netflix

Bandoleiros e fora-da-lei, ao longo das décadas, conquistaram um status quase mítico, impulsionado por produções cinematográficas que muitas vezes reinterpretam suas trajetórias sob uma ótica romantizada. No Brasil, “Tropa de Elite” (2007), dirigido por José Padilha, é um dos raros exemplos de narrativa que desvela o universo da ilegalidade sem indulgência, apresentando policiais íntegros que resistem à corrupção e ao peso das estruturas de poder. Já no cenário internacional, “Retorno da Lenda” segue na direção oposta, glorificando figuras marginais e seus feitos, ainda que repletos de ambiguidade moral.

O longa de Potsy Ponciroli, cujo título já sugere uma revisão nostálgica, reimagina a história de William Henry Bonney, mais conhecido como Billy the Kid. O famoso fora-da-lei, que teria encontrado um fim precoce aos 21 anos em um tiroteio com o xerife Pat Garrett, ressurge aqui sob uma perspectiva fictícia: um homem que sobreviveu ao cerco da lei e alcançou uma velhice improvável, escondido em um rancho isolado em Baxter Springs, Kansas. Ponciroli mescla fatos históricos com uma liberdade criativa audaciosa, colocando seu protagonista em uma posição desconfortável entre herói e vilão, em uma narrativa que desafia convenções.

O filme abre com uma cena que remete diretamente à obra-prima de Sergio Leone, “Três Homens em Conflito” (1966). Contudo, ao invés de replicar a abordagem clássica do spaghetti western, Ponciroli subverte as expectativas ao embaralhar os papéis de heróis e vilões. A sequência inicial, onde o anti-herói é perseguido por três cavaleiros, estabelece um tom de tensão que persiste ao longo da trama, alternando entre drama e suspense. Essa dinâmica é impulsionada por performances intensas de Stephen Dorff e Scott Haze, que conferem profundidade a personagens moralmente ambíguos.

No centro da narrativa, o delegado Sam Ketchum, interpretado por Dorff, emerge como uma figura complexa. Ele é prático e implacável, disposto a atravessar qualquer limite para cumprir seus objetivos. Apesar de seu caráter frio e calculista, é o “Velho Henry” de Tim Blake Nelson que rouba a cena. Nelson encarna um protagonista consumido por dilemas éticos e conflitos internos que nunca encontram resolução completa. Sua presença magnética desafia constantemente a dominação de Ketchum, tornando cada interação entre os dois um embate de vontades.

O roteiro, ainda que inventivo, carece de consistência em alguns momentos. Ponciroli investe em sutilezas narrativas e reviravoltas que por vezes arriscam obscurecer a lógica do enredo. Contudo, seu olhar criativo compensa essas falhas, entregando uma experiência visual rica em atmosferas e simbolismos. A cinematografia reforça o isolamento dos personagens, com paisagens desoladas que ecoam o vazio emocional de suas vidas.

“Retorno da Lenda” não busca apenas resgatar um gênero clássico; ele questiona as narrativas tradicionais de heróis e vilões, revelando a fragilidade dessas distinções. Embora sua trama às vezes se perca entre as ambiguidades que tenta explorar, o filme conquista pela coragem de desafiar convenções e pela complexidade de seus personagens. Ao final, fica a reflexão: não são os fatos, mas as histórias que escolhemos contar, que moldam nossa percepção do passado.

Filme: O Retorno da Lenda
Diretor: Potsy Ponciroli
Ano: 2021
Gênero: Ação/Drama/Faroeste
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★