Faroeste com Idris Elba e LaKeith Stanfield é preciosidade da Netflix ganhadora do Bafta

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Personagens movidos pelo desejo de vingança, lançados em jornadas implacáveis contra aqueles que destruíram suas famílias e macularam a honra de seus lares, continuam a ser um dos motes mais fascinantes do cinema. Essa premissa encontra ressonância em produções que exploram o acerto de contas como tema central, caso de “O Regresso” (2015), dirigido por Alejandro González Iñárritu. O filme tornou-se um marco no gênero, apresentando um herói que persevera em sua busca por justiça, mesmo diante das adversidades mais extremas.

Por outro lado, “Vingança e Castigo” (2021), longa de estreia de Jeymes Samuel, oferece uma abordagem distinta. Embora também centrado em uma busca por reparação, seu protagonista, Nat Love, está longe de ser um “bom moço”. A narrativa, que se desenrola em um contexto de faroeste, não reinventa o gênero, mas surpreende pela originalidade com que Samuel conduz a história. O diretor, que já havia demonstrado sua afinidade com o tema em “They Die by Dawn” (2013), constrói um épico pulsante e estilizado, ancorado em um elenco de destaque.

Jonathan Majors se destaca como Nat Love, o líder de uma gangue marcada pela tragédia de ter visto os pais assassinados por Rufus Buck, interpretado pelo brilhante Idris Elba. Majors, que já havia mostrado talento em outras produções, encontra aqui um papel que desafia suas habilidades e revela novas camadas de sua atuação. Love é um personagem complexo, movido tanto por carisma quanto por um lado sombrio, que ganha mais intensidade com a presença de Zazie Beetz como Stagecoach Mary. A dinâmica entre os dois adiciona uma dimensão romântica ao enredo, equilibrando a violência e o suspense que permeiam a trama.

O conflito central gira em torno do embate entre Love e Buck, cuja libertação inexplicável da prisão desencadeia uma sequência de eventos que coloca em xeque a moralidade de ambos os lados. Ao assumir de vez seu lado marginal, Love embarca em uma jornada de justiça à sua maneira, cercado por aliados igualmente determinados. No entanto, a oposição à sua causa é tão obstinada quanto ele, criando um jogo de xadrez mortal entre protagonistas e antagonistas.

Em “Vingança e Castigo”, Jeymes Samuel presta uma homenagem velada ao cinema de faroeste clássico, especialmente às obras de Sergio Leone, como “Por um Punhado de Dólares” (1964) e “Três Homens em Conflito” (1966). O protagonista de Majors, que transita entre herói e vilão, evoca o “Homem sem Nome” de Clint Eastwood, um arquétipo que equilibra virtudes e falhas humanas. Contudo, Samuel agrega uma perspectiva contemporânea à narrativa, destacando questões raciais de maneira ousada. Com um elenco majoritariamente negro, o diretor explora as contradições da época retratada e reflete sobre temas ainda relevantes na sociedade atual.

Nat Love é retratado como um anti-herói que, embora enfrente um oponente negro como ele, desafia as narrativas simplistas sobre identidade e moralidade. A escolha de Samuel de situar a história no pós-Guerra Civil Americana — período marcado pela aprovação da 13ª Emenda, que aboliu a escravidão nos Estados Unidos — reforça a carga histórica e política do filme. Essa contextualização, contudo, não é explorada de maneira didática, mas sim como um pano de fundo que enriquece a narrativa. Em contraste, obras como “Django Livre” (2012), de Quentin Tarantino, utilizam a violência estilizada e o humor ácido para abordar temas semelhantes, enquanto Samuel opta por uma abordagem mais direta e reflexiva.

Regina King, que também integra o elenco de “Vingança e Castigo”, é outra figura que contribui para a discussão sobre representação no cinema. Sua atuação em “Uma Noite em Miami” (2020) já havia mostrado seu comprometimento com temas raciais e sociais, alinhando-se às contribuições de outros cineastas negros como Ava DuVernay e Spike Lee. Esses realizadores, cada um a seu modo, expandem as fronteiras do cinema ao abordar as experiências de minorias e confrontar preconceitos enraizados.

A narrativa de “Vingança e Castigo” também ressoa com elementos de “Crime e Castigo” (1866), clássico de Fiodor Dostoiévski. Assim como Rodion Raskólnikov, Nat Love é um personagem guiado por um senso distorcido de justiça e pela busca de redenção através do sofrimento. Ambos os protagonistas enfrentam dilemas morais profundos em contextos históricos distintos, mas igualmente opressores. Essa conexão não é explicitada, mas permeia a narrativa de forma sutil, enriquecendo a experiência do espectador.

“Vingança e Castigo” transcende as expectativas ao combinar ação, drama e reflexão social em um faroeste moderno que honra suas raízes clássicas enquanto desafia convenções. Jeymes Samuel demonstra que o gênero ainda possui fôlego para explorar temáticas relevantes, criando um filme que é tanto um tributo quanto uma renovação. A jornada de Nat Love, marcada por complexidade e ambiguidade, reflete a própria luta por identidade e justiça em um mundo dividido. Cada tempo, afinal, tem os heróis que merece.

Filme: Vingança e Castigo
Diretor: The Bullitts
Ano: 2021
Gênero: Faroeste
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★