Para inteligentes: obra-prima genial com Al Pacino e Robert De Niro é terceiro filme mais caro da história da Netflix Divulgação / Netflix

Para inteligentes: obra-prima genial com Al Pacino e Robert De Niro é terceiro filme mais caro da história da Netflix

Extraída do livro “I Heard You Paint Houses” (2004), de Charles Brandt, a trama de “O Irlandês” revela as entranhas do crime organizado nos Estados Unidos, conduzindo o espectador por um labirinto de lealdades complexas e traições devastadoras. No centro desse turbilhão está Francis Joseph Sheeran, ou Frank (1920-2003), um nome de peso na máfia americana entre as décadas de 1960 e 1970, cuja ligação com o desaparecimento do líder sindical Jimmy Hoffa (1913-1982) permanece envolta em mistério. E quem mais apropriado para contar essa história do que Martin Scorsese? 

Com sua habilidade incomparável de explorar a psique humana, Scorsese nos conduz pela ascensão de Sheeran no submundo, desde seu fatídico encontro com Russell Bufalino (1903-1994), um dos chefes mais influentes da máfia na Pensilvânia, até sua infame transformação em “pintor de casas” — um eufemismo que mascara a brutalidade de suas execuções. A mesma expressão dá título à obra de Brandt, que serve de base para este épico cinematográfico.

Como em “Os Bons Companheiros” (1990) e “Cassino” (1995), Scorsese manipula o tempo narrativo com destreza singular, alternando momentos de tensão comprimida com cenas que se desenrolam em um ritmo mais contemplativo. Essa fluidez narrativa é magistralmente complementada pela edição de Thelma Schoonmaker, parceira criativa do diretor desde “Touro Indomável” (1980). O roteiro de Steven Zaillian entrelaça camadas de história com precisão cirúrgica, enquanto a fotografia de Rodrigo Prieto, em tons nostálgicos e decadentes, transporta o espectador para a época. Apesar de seu impacto artístico, “O Irlandês” foi solenemente ignorado pelo Oscar de 2020, mesmo com indicações a prêmios como Melhor Filme.

Mais do que um retrato do submundo, “O Irlandês” é uma meditação amarga sobre o tempo, a mortalidade e as escolhas que definem o legado de um homem. Scorsese desmonta a figura de Sheeran, apresentando-o não apenas como um executor frio, mas também como um homem marcado pelo peso de seus próprios atos. A narrativa começa e termina com Sheeran em sua fase final: um idoso isolado em um asilo, preso a uma cadeira de rodas e tentando buscar redenção em confissões tardias a um padre. Essas tentativas de absolvição, no entanto, pouco aliviam a imagem de um homem consumido pela culpa, enquanto o público observa suas memórias desmoronarem sob o peso do arrependimento.

A construção dramática do filme repousa principalmente no trio de protagonistas: Sheeran, Bufalino e Hoffa. Interpretados por Robert De Niro, Joe Pesci e Al Pacino, respectivamente, suas atuações capturam a essência de cada personagem com intensidade visceral. As técnicas de rejuvenescimento digital, frequentemente debatidas, adicionam uma camada de verossimilhança à narrativa, permitindo que o público acompanhe as transformações dos personagens ao longo de décadas. Essas escolhas estéticas, longe de serem superficiais, reforçam a imersão no fluxo temporal do filme, culminando em uma conclusão que ressoa profundamente.

Ainda assim, nem mesmo a maestria técnica e artística de Scorsese foi suficiente para conquistar a aprovação dos votantes do Oscar. Talvez, como o próprio filme sugere, a era dos grandes épicos da máfia tenha atingido um ponto além do qual poucos estão dispostos a seguir. “O Irlandês” não é apenas uma narrativa sobre o crime, mas um lamento sobre o passar do tempo e as sombras que as escolhas humanas inevitavelmente projetam. É o adeus de Scorsese a um gênero que ele ajudou a definir, entregue com a maturidade de um cineasta em sua melhor forma.

Filme: O Irlandês
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 2019
Gênero: Crime/Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★