Peter Jackson, conhecido por sua ousadia cinematográfica, desafia convenções em “Um Olhar do Paraíso”, sua adaptação do celebrado romance de Alice Sebold. Em pouco mais de duas horas, o filme explora uma complexa teia de gêneros: romance adolescente, suspense investigativo, drama familiar, fantasia etérea e até uma discreta homenagem ao voyeurismo de “Janela Indiscreta”. Ao costurar esses elementos, Jackson entrega uma experiência visualmente inovadora e emocionalmente provocativa, mas que, por vezes, oscila entre a profundidade narrativa e a superficialidade estética.
Desde os instantes iniciais, a simbologia permeia cada enquadramento. Um globo de neve com um boneco congelado encapsula o sentimento de aprisionamento que atravessa toda a narrativa. Susie Salmon, vivida com intensidade por Saoirse Ronan, é a narradora onipresente que guia o público por um espaço etéreo situado entre a vida e a eternidade. Este “entre-meios” é tanto um refúgio quanto uma prisão, onde Susie observa os vivos lidarem com a dor de sua ausência: seu pai (Mark Wahlberg) se perde em minuciosos modelos de navios engarrafados; sua mãe (Rachel Weisz) tenta preservar a memória intocada do quarto da filha; e George Harvey (Stanley Tucci, em um desempenho assombroso), o responsável por sua morte, esconde sua obsessão em uma casa de bonecas perturbadoramente ordenada.
O purgatório de Jackson não se limita a um cenário simbólico; é uma experiência audiovisual de impacto. Campos infinitos se transformam em oceanos vibrantes, enquanto gazebos surgem à beira de lagos iluminados por um luar onírico. Brian Eno, com sua trilha atmosférica, amplifica a imersão sensorial. Contudo, essa exuberância visual, embora tecnicamente impressionante, ocasionalmente se afasta do cerne emocional da trama, que reside nos dilemas humanos e nas relações terrenas.
O filme atinge seu ápice emocional nas cenas iniciais, onde a vida de Susie é apresentada com uma riqueza nostálgica que captura a essência dos anos 1970. Entre os pingentes do Snoopy e os cartazes de “A Família Dó-Ré-Mi”, vemos uma adolescente sonhadora, aspirante a fotógrafa, cujas esperanças são interrompidas por um crime hediondo. Jackson opta por suavizar a violência do assassinato descrito no livro, substituindo detalhes gráficos por uma tensão simbólica: a câmera foca brinquedos infantis e sombras inquietantes que antecipam o inevitável. Nesse ponto, Tucci brilha, interpretando Harvey com uma precisão inquietante que provoca calafrios.
Apesar de um elenco talentoso, algumas dinâmicas familiares carecem de profundidade. Wahlberg e Weisz entregam atuações competentes, mas o colapso do casamento de seus personagens é apenas insinuado, deixando lacunas na exploração do impacto do luto. Por outro lado, Rose McIver, no papel de Lindsay, irmã de Susie, protagoniza uma sequência de tirar o fôlego ao confrontar o perigo em uma cena que remete aos clássicos do suspense. Susan Sarandon, como a avó excêntrica, injeta leveza cômica, um contraponto necessário ao tom sombrio predominante.
Embora Jackson ofereça momentos de impacto visual e narrativo, sua abordagem suaviza as arestas mais sombrias da obra de Sebold, optando por uma visão redentora que celebra a superação e o renascimento. Para alguns, essa escolha pode parecer um alívio, mas para outros representa uma perda da complexidade emocional e do peso do luto. A transição de Susie para a aceitação de sua morte é lindamente retratada, mas a ausência de um mergulho mais profundo nas cicatrizes deixadas em sua família enfraquece a proposta do filme.
Ao final, “Um Olhar do Paraíso” é uma obra que instiga reflexões sobre a perda e a memória, mas tropeça em sua tentativa de equilibrar o fantástico e o real. Jackson oferece uma experiência cinematográfica visualmente deslumbrante, mas emocionalmente desigual. Ainda que não alcance a visceralidade de “Almas Gêmeas”, o filme permanece como uma tentativa audaciosa e imperfeita de traduzir os labirintos do luto e da esperança em imagens de rara beleza.
★★★★★★★★★★