Darren Aronofsky utiliza conceitos de Nietzsche para dar vida a uma das mais belas obras-primas do século 21, no Disney+ Divulgação / Warner Bros.

Darren Aronofsky utiliza conceitos de Nietzsche para dar vida a uma das mais belas obras-primas do século 21, no Disney+

Darren Aronofsky talvez seja o cineasta que remexe com mais delicadeza o baú de ossos das vulnerabilidades e imundícies da alma humana, conforme se assiste desde sua estreia, em “Pi” (1998), seguida de “Réquiem para um Sonho” (2000), “O Lutador” (2008) ou “Mãe!” (2017). Em “Fonte da Vida”, Aronofsky, bem a seu estilo, reescreve passagens do “Gênesis”, o primeiro livro da Bíblia, anexando-lhes considerações acerca de um fármaco que garanta a vida eterna. Para o bem e para o mal, este foi um dos longas mais analisados da história do cinema, e Aronofsky, claro, soube tirar proveito do falatório, que reacendeu o interesse do público por seu trabalho. O diretor reaproveita elementos de seu roteiro, escrito com Ari Handel, em “Mãe!” e “Noé” (2014), apostando quase todas as fichas na composição estética do longa, além de dispor de um casal de protagonistas convincente.

Sem sorte não se chupa nem um Chicabon, disse Nelson Rodrigues (1912-1980) certa feita, e tanto menos se sai de cama e se enfrenta os perigos grandes e pequenos da vida como ela é na rua. Dissociar o homem de sua ganância, que por seu turno vem muitas vezes escondida sob o manto exuberante da natureza, é tarefa pretensiosa para qualquer filme, de modo que nem sempre bastam boa direção, elenco afinado e uma edição cuidadosa liquidam a fatura, em produções que acabam por testar a paciência do espectador. Todos já cruzamos com figuras que seduzem sem querer, que conseguem tudo quanto desejam com um sorriso, desmontando um semblante austero, resistente a princípio. 

O pavor do homem frente à decrepitude e ao fim da vida é presente na história da humanidade desde o princípio dos tempos. O apocalipse, como todos sabemos, incita a curiosidade de qualquer um que perceba correr em suas veias ao menos uma gota de sangue que não tenha sido maculado pela indiferença e pelo menosprezo com as incontáveis causas que preocupam — ou deveriam preocupar — o mundo inteiro. Mas, para Aronofsky, o apocalipse ocorre milhões de vezes todos os dias, para aqueles que fazem uma viagem sem aviso e sem volta, ao cabo de um período demasiado curto ou excessivamente longo.

O diretor banca suas ideias, a despeito de elas serem ou não rentáveis para a indústria. Na tentativa de tornar seu filme mais comercial, Aronofsky abusa dos efeitos especiais, enfeitando-os sob a elegante fotografia em sépia e tons de dourado de Matthew Libatique, seu colaborador desde “Pi”. Essa “cara de ação entre amigos” de “Fonte da Vida” fica ainda evidente no momento em que Hugh Jackman entra em cena, primeiro na pele de Tom Creo, monarca de um reino que sobrevive ao Medievo, depois como Tomas Creo, um cientista que não se conforma com o câncer terminal da esposa, Izzi. Mencionar que Izzi é interpretada por Rachel Weisz, mulher do diretor à época, parece desnecessário, mas corrobora uma perturbadora teoria que reza haver uma cópia com a versão do cineasta, que o estúdio houve por bem rejeitar. Mais Aronofsky, impossível.

Filme: Fonte da Vida
Diretor: Darren Aronofsky
Ano: 2006
Gênero: Drama/Mistério/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.