425 indicações a prêmios, incluindo 10 Oscars, não mentem: filme de Martin Scorsese é obra-prima absoluta que está na Apple TV+ Divulgação / Apple Studios

425 indicações a prêmios, incluindo 10 Oscars, não mentem: filme de Martin Scorsese é obra-prima absoluta que está na Apple TV+

A palavra “genocídio” deriva da combinação dos termos gregos “genos”, que significa “raça”, e “cide”, do latim, que se refere a “matar”. Apesar de parecer um conceito antigo e intrínseco ao vocabulário contemporâneo, o termo foi cunhado apenas em 1944, por Raphael Lemkin, em sua obra “Domínio do Eixo na Europa Ocupada”. Nesse contexto, Lemkin desenvolveu sua tese sobre as atrocidades nazistas cometidas contra minorias, trazendo à tona uma noção que hoje utilizamos para descrever crimes de extermínio em massa, incluindo o que ocorreu com os povos originários na América durante a colonização europeia.

É esse o termo que Martin Scorsese emprega para descrever os acontecimentos retratados em seu mais recente trabalho, “Assassinos da Lua das Flores”. Baseado no livro homônimo de David Grann, o longa aborda os assassinatos sistemáticos dos Osage, uma nação indígena nos Estados Unidos, durante a década de 1920. Embora a palavra “genocídio” não fizesse parte do vocabulário da época, Scorsese a utiliza deliberadamente para assegurar que o público compreenda a verdadeira natureza das mortes que permearam esse capítulo sombrio da história americana.

Desde que leu o livro em 2017, Scorsese estava determinado a adaptá-lo para as telas. A produção, entretanto, enfrentou diversos desafios, incluindo adiamentos causados pela pandemia de Covid-19. Desde o início, o diretor buscou a colaboração da nação Osage, representada pelo chefe Standing Bear, para garantir que o filme refletisse com autenticidade a perspectiva dos povos indígenas. “Assassinos da Lua das Flores” não é apenas uma narrativa sobre crimes; é uma história contada com profundo respeito pela memória coletiva de uma comunidade que viu sua existência ameaçada pela ganância e violência.

No coração da trama, conhecemos Bill Hale, interpretado por Robert De Niro, um fazendeiro influente e ardiloso que, sob a fachada de amigo dos Osage, conduz um esquema cruel para tomar posse das riquezas petrolíferas encontradas em suas terras. Seu sobrinho, Ernest Burkhart, vivido por Leonardo DiCaprio, é um homem fragilizado em sua moralidade e intelecto, facilmente manipulado pelo tio. A relação de Ernest com Molly, uma mulher Osage interpretada por Lily Gladstone, se torna central à narrativa. Sob a influência de Hale, Ernest se envolve em uma série de crimes brutais, que incluem o assassinato sistemático dos parentes de sua esposa, tudo para consolidar o controle sobre a herança dela.

A descoberta de reservas petrolíferas no território Osage, no início do século 20, transformou os membros da nação em alguns dos indivíduos mais ricos dos Estados Unidos. Contudo, esse enriquecimento atraiu a cobiça e o racismo institucionalizado. Leis foram criadas para declarar os indígenas como incapazes de gerir seus bens, atribuindo tutores brancos para administrar suas riquezas. Esse sistema foi o catalisador de desvios milionários e, tragicamente, de uma onda de assassinatos planejados por aqueles que se beneficiariam diretamente das mortes.

Scorsese, ciente da complexidade e sensibilidade do tema, estruturou sua narrativa para dar voz àqueles que tradicionalmente foram silenciados. Durante as filmagens, discursos improvisados por membros da nação Osage foram incorporados à obra, reforçando a autenticidade e o respeito à história retratada. Essa escolha não só destaca o compromisso do cineasta com a justiça histórica, mas também enriquece o filme com momentos de rara espontaneidade e emoção.

“Assassinos da Lua das Flores” também é um tour de force para seu elenco. De Niro, DiCaprio e Gladstone entregam performances meticulosas, que capturam a complexidade emocional de seus personagens. A direção de Scorsese, aliada à precisão técnica e ao roteiro cuidadosamente elaborado, transforma o filme em uma experiência cinematográfica poderosa. Embora tenha sido candidato a 425 prêmios, incluindo 10 estatuetas ao Oscar, o maior legado da obra é sua contribuição para a reflexão sobre um tema historicamente negligenciado: o genocídio de povos indígenas.

Ao colocar luz sobre essa tragédia, Scorsese não apenas reconstrói eventos passados, mas também nos desafia a enfrentar as consequências de um sistema que perpetuou violência e exclusão. “Assassinos da Lua das Flores” é mais do que um filme; é um testemunho, uma obra que insiste na importância de ouvir e aprender com as vozes que o poder tentou silenciar.

Filme: Assassinos da Lua das Flores
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 2023
Gênero: Biografia/Crime/Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.