A ideia de remakes é uma afronta ao conceito de temporalidade na arte. Há um instante certo para tudo, e se algo não ocorre em seu momento ideal, não cabe forçar uma repetição artificial. Filmes, por mais emblemáticos que sejam, estão inextricavelmente ligados às condições de sua época. Releituras promovidas por diretores que tentam ajustá-los — mesmo com roteiros atualizados ou nuances alinhadas aos tempos modernos — frequentemente evidenciam uma preguiça criativa e um oportunismo descarado por parte da indústria cinematográfica. Ao invés de explorar narrativas originais, muitos executivos optam por reciclar o que já foi feito, numa tentativa de capitalizar sobre ideias cujo frescor já se dissipou.
No Brasil, a televisão revivenciou esse fenômeno em 28 de março de 2022, com o retorno da novela “Pantanal”. Originalmente transmitida em 1990 pela Rede Manchete, a trama conquistou audiências com seu retrato sensível do Brasil profundo. Mas a questão é: uma obra de mais de trinta anos pode realmente encantar da mesma forma? Vivemos numa época de múltiplas plataformas, cortes seletivos feitos por algoritmos, e debates acirrados sobre políticas de inclusão. Será que a icônica Juma Marruá, vivida de forma intuitiva e inesquecível por Cristiana Oliveira, sobreviveria intacta ao escrutínio contemporâneo? Ou sua personagem seria reconfigurada para atender às demandas do politicamente correto, talvez como uma vegana convicta? A indústria prefere a nostalgia à criatividade, e o resultado são projetos que, ao tentar emular o passado, ignoram os desafios e dilemas urgentes do presente.
Uma nova “Pantanal” poderia muito bem explorar questões relevantes, como a degradação ambiental, o êxodo rural, ou a precária situação educacional nas regiões isoladas do Brasil. No entanto, é mais fácil apostar na nostalgia. Essa abordagem lembra outra obra marcante: “Amor, Sublime Amor”. O musical, que estreou nos palcos da Broadway em 1957 e foi levado ao cinema em 1961 por Robert Wise e Jerome Robbins, foi recriado em 2021 por Steven Spielberg. Como na novela brasileira, a releitura se depara com o dilema de preservar a essência da obra original enquanto tenta dialogar com uma nova audiência.
Spielberg, porém, não é um cineasta comum. Sua visão se destaca pelo cuidado com os detalhes e pelo respeito ao material de origem, sem abrir mão de inovações que conferem atualidade à trama. O roteiro, assinado por Tony Kushner, reinterpreta aspectos da narrativa, destacando os conflitos sociais e raciais que marcam a história de amor entre Tony, um ex-integrante dos Jets, e Maria, uma jovem porto-riquenha ligada aos Sharks. A fotografia de Janusz Kaminski amplifica essas tensões, contrastando as cenas vibrantes de música e dança com os becos sombrios do Upper West Side, enquanto as coreografias de Justin Peck transformam cada movimento em uma experiência orgânica e visceral.
O elenco também merece destaque. Rachel Zegler entrega uma Maria doce, mas determinada, enquanto Ariana DeBose rouba a cena como Anita, um papel que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Ao seu lado, Mike Faist e David Alvarez brilham como Riff e Bernardo, líderes de gangues cuja rivalidade encarna as tensões culturais e sociais de uma Nova York em transformação. Spielberg captura não apenas a energia do original, mas também a complexidade emocional e o contexto histórico que dão profundidade ao filme.
Ao assistir à nova versão de “Amor, Sublime Amor”, fica claro que Spielberg conseguiu algo raro: preservar a essência do original enquanto oferece uma leitura contemporânea. Seu trabalho não é apenas uma homenagem, mas uma afirmação da importância de aprender com o passado sem se prender a ele. Diferente da preguiça criativa de muitos remakes, este é um exemplo de como a arte pode ser reinventada com relevância e sofisticação.
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