Jefferson Kyle Kidd, interpretado com a maestria habitual de Tom Hanks, é um veterano da Guerra Civil Americana que, em 1870, encontra um novo propósito em uma profissão incomum: ler notícias para pequenos públicos em vilarejos isolados da América profunda. Este peculiar ofício, retratado com a sofisticação característica de Paul Greengrass, resgata o impacto do jornalismo em um tempo em que a disseminação de informações ainda era um desafio logístico e técnico. Depois de colaborar em “Capitão Phillips” (2013), Hanks e Greengrass voltam a construir uma narrativa que exalta a coragem como alicerce para a sobrevivência e a evolução das sociedades, ainda que marcadas por conflitos e desigualdades.
“Relatos do Mundo” não se limita a uma revisão superficial dos eventos históricos do pós-Guerra Civil. Embora mencione marcos como a Décima Terceira Emenda, que aboliu a escravidão em 1865, o filme mergulha nos aspectos sociológicos e culturais de uma nação ainda em processo de amadurecimento. Ao abordar temas como racismo, divisão social e a luta pela identidade nacional, o roteiro — coescrito por Greengrass e Luke Davies — oferece uma perspectiva matizada sobre um país tentando reconciliar suas contradições internas.
A trama começa quando Kidd encontra o corpo de um homem negro enforcado em uma árvore — uma imagem perturbadora que sinaliza as tensões raciais do período. Logo depois, ele descobre uma menina branca, Johanna Leonberger (vivida com intensidade pela estreante Helena Zengel), que foi criada por uma tribo Kiowa após a morte de sua família. A relação improvável entre Kidd e Johanna forma o núcleo emocional do filme, transformando a história em um road movie que explora as dificuldades e esperanças em um Velho Oeste ainda brutal e indomado.
Greengrass utiliza essa relação como uma lente para examinar os três principais grupos étnicos que moldaram os Estados Unidos: indígenas, negros e brancos. Essa abordagem evita maniqueísmos, preferindo destacar as complexidades das interações humanas em um período de transformação histórica. O diretor também não hesita em explorar a violência como parte inerente desse contexto, como na tensa sequência de tiroteio entre Kidd e Ron Avalon (Michael Angelo Covino), um bandido que personifica os desafios de um território sem lei.
A narrativa se desenrola em um ritmo que combina momentos de introspecção com cenas de ação, sempre sustentada pela trilha sonora envolvente de James Newton Howard. A música não apenas complementa a atmosfera do filme, mas também reforça as emoções dos personagens e o senso de desolamento e esperança que permeia a história.
“Relatos do Mundo” também serve como uma meditação sobre o papel das narrativas na formação de comunidades e nações. Kidd, ao compartilhar notícias, não apenas informa, mas também conecta pessoas, oferecendo uma perspectiva mais ampla em uma época em que o mundo era percebido como vasto e incompreensível. Essa dimensão metalinguística do filme acrescenta profundidade ao personagem de Hanks, cuja atuação transmite tanto autoridade quanto vulnerabilidade.
No entanto, o filme não deixa de apontar as limitações de seus protagonistas. Kidd é um herói imperfeito, um homem moldado por seu tempo, mas capaz de gestos de empatia que transcendem as barreiras impostas por uma sociedade profundamente desigual. Sua relação com Johanna, uma menina deslocada entre dois mundos, simboliza a possibilidade de compreensão e redenção mesmo nas condições mais adversas.
Com uma direção segura e atuações memoráveis, “Relatos do Mundo” se destaca como um estudo poderoso sobre a resiliência humana e a busca por conexão em tempos de caos. Ao mesmo tempo em que presta homenagem ao passado, o filme também convida o espectador a refletir sobre questões contemporâneas, como o valor da diversidade e a importância de narrativas que promovam compreensão e solidariedade. Essa dualidade torna a obra não apenas um retrato histórico, mas também uma exploração atemporal das forças que moldam a humanidade.
★★★★★★★★★★