Sob a direção de Garth Davis, a adaptação cinematográfica de “Intruso”, romance de ficção científica de Iain Reid, mergulha em questões existenciais e emocionais com profundidade e um olhar provocativo. Estrelado por Saoirse Ronan e Paul Mescal, o filme constrói sua narrativa em torno de um trio de personagens centrais, em que os demais surgem como meros coadjuvantes de fundo. Hen (Ronan) e Junior (Mescal) levam uma vida simples em uma casa secular localizada em um ambiente rural isolado. Enquanto Junior trabalha em uma indústria avícola, Hen passa seus dias como garçonete em uma pequena lanchonete no deserto. A aparente banalidade de suas vidas é interrompida por um visitante inesperado: Terrance (Aaron Pierre), um emissário do governo com uma proposta que desafia a lógica do casal.
Terrance surge à porta com uma missão inquietante: recrutar Junior para integrar um projeto espacial destinado a colonizar áreas extraterrestres, uma medida extrema para contornar os efeitos devastadores da exploração desenfreada do planeta. Ambientado em um futuro distópico, o filme revela um mundo em colapso ambiental e social, onde a humanidade busca alternativas de sobrevivência no espaço. Hen, com sua sensatez crítica, questiona o custo dessa empreitada: “Por que investir tanto em outro lugar em vez de consertar os danos aqui?” A resposta evasiva de Terrance expõe a dualidade da estratégia: ambos os esforços coexistem, mas nenhum deles é suficiente para mitigar o desespero crescente.
Apesar da resistência do casal, fica claro que a escolha não é uma opção. Como em tempos de guerra, o recrutamento é compulsório. Terrance, então, apresenta uma solução perturbadora para a ausência de Junior: um replicante biológico criado com base em tecido humano, carregado com as memórias e personalidade do original, destinado a substituir o marido em todas as atividades cotidianas. A ideia de uma cópia tão realista compartilhando sua intimidade com Hen é suficiente para desencadear o desconforto e a fúria de Junior. No entanto, sua objeção é irrelevante diante da imposição governamental.
Nos meses que antecedem a partida de Junior, Terrance se muda para a casa do casal, assumindo o papel de observador constante. Ele analisa a dinâmica entre Hen, Junior e o replicante, enquanto a inevitabilidade da separação afeta profundamente o relacionamento do casal. No meio desse processo, antigos atritos começam a dar lugar a uma redescoberta de afeto. A proximidade da perda iminente resgata memórias e sentimentos adormecidos, reacendendo a conexão que um dia os uniu.
Entretanto, essa convivência forçada também intensifica as tensões. A presença constante de Terrance desperta em Junior uma crescente paranoia. Ele começa a desconfiar das intenções do emissário, acreditando que Terrance deseja usurpar seu lugar ao lado de Hen. Tomado por ciúmes e insegurança, Junior se torna progressivamente mais agressivo e impulsivo. Paul Mescal entrega uma performance intensa e multifacetada, capturando as nuances de um homem dividido entre o amor, o medo e a sensação de impotência diante das circunstâncias.
Apesar das críticas negativas recebidas, “Intruso” se revela uma obra de imensa densidade emocional e intelectual. O filme não se limita à exploração de um futuro distópico, mas aprofunda-se nas complexidades das relações humanas, nos impactos do tempo sobre o amor e na fragilidade das conexões diante de forças externas incontroláveis. A química inegável entre Ronan e Mescal dá vida a um casal cujo vínculo é simultaneamente desafiado e fortalecido pelas adversidades.
O longa transcende a superfície de um drama romântico ao questionar temas como identidade, autonomia e sacrifício. A presença do replicante é uma metáfora poderosa sobre o que nos torna únicos e insubstituíveis. A trama convida o espectador a refletir sobre o valor das experiências compartilhadas e o que significa, de fato, pertencer a alguém.
Davis constrói uma narrativa visual e emocionalmente envolvente, equilibrando momentos de tensão e ternura com maestria. “Intruso” é uma obra que demanda atenção, recompensando o público com camadas de significado a cada nova revisão. Longe de ser apenas mais um romance distópico, o filme se estabelece como uma meditação profundamente humana sobre a resiliência do amor e a busca por propósito em um mundo à beira do colapso.
★★★★★★★★★★