É inútil negar: assassinos em série exercem um fascínio sobre pobres mortais que vivem de acordo com suas posses, não têm ninguém que se compadeça de seus dramas íntimos e, não raro, arrastam-se de um para outro hospital, procuram colocação à porta de empresas. A Alemanha entra de cabeça nesse filão com “O Assassino do Calendário”, uma narrativa de cadência vagarosa que sabe pegar a audiência no contrapé.
Depois de anos relegados ao mero culto de uns poucos espectadores, os filmes de horror sem monstros fantásticos vêm ganhando mais visibilidade, e o diretor Adolfo J. Kolmerer verte o romance homônimo publicado pelo escritor e jornalista Sebastian Fitzek em sequências minimalistas, pautadas pelo impecável apuro estético que a fotografia de Christian Huck realça. Kolmerer junta numa mesma história os tipos solitários e paranoicos de uma metrópole, casamentos de fachada, crimes, convescotes profanos, e aos poucos o enredo toma sua própria forma e descobre um eixo, que se desdobra em subtramas que parecem querer sufocar quem assiste.
Seria bom se o mundo fosse uma imensa vizinhança, um povoado onde não se observam limites ou fronteiras, um lugar no qual os seres humanos, mais que entender as necessidades uns dos outros, são sensíveis a essas urgências e não veem nada de errado em se desassossegar até encontrarem uma solução de alcance geral. Jules pensa assim, e depois de licenciar-se do Corpo de Bombeiros por motivos de saúde, passa a trabalhar como voluntário num serviço de acompanhamento remoto de cidadãos, uma central telefônica de apoio a pessoas em risco iminente, mulheres sobretudo. Numa noite sem maiores intercorrências, uma mãe liga dizendo que será o próximo alvo do assassino em série que mata suas vítimas pintando com tinta vermelha a data do massacre e sugerindo a dificílima escolha que serve de justificativa para o longa.
Sem pressa, a roteirista Susanne Schneider enfronha-se no âmago de Jules e Klara, a nova presa do monstro, iluminando um pouco o universo de breu profundo a estreitá-los. Sabin Tambrea e Luise Heyer, os astros das séries “Operação Berlim” (2016-2019) e “Dark” (2017-2020), respectivamente, trocam de lugar a certa altura, colocando uma pitada de mistério a mais no que já parecia abafado o suficiente. Por seu turno, Friedrich Mücke como Martin, o marido de Klara, puxa o filme para um erotismo à “De Olhos Bem Fechados” (1999), a obra-prima de Stanley Kubrick (1928-1999) sobre a hipocrisia nos relacionamentos e o fraco do gênero humano diante da luxúria. Aqui, a matança é só um detalhe.
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